Cabos submarinos transportam mais de 97% do tráfego internacional de dados do Brasil, segundo o GSI e a Anatel. São estruturas críticas, invisíveis a olho nu, mas expostas a perigos concretos: de âncoras e terremotos a espionagem e concentração de poder nas mãos de algumas empresas. Estudos recentes apontam que a infraestrutura não apenas está sobrecarregada, mas carente de proteção adequada.
A verdadeira natureza física da internet
Apesar de ser comumente estar relacionada com conceito que remete a “nuvem”, a internet é uma rede física complexa, uma verdadeira “série de tubos” que transporta pulsos de luz codificados. Esses pulsos são gerados por lasers potentes instalados em prédios discretos e viajam por fibras ópticas que atravessam continentes e oceanos. Cabos, data centers e acordos entre redes formam a espinha dorsal dessa estrutura global.
Cabos submarinos são tubos de fibra óptica revestidos com camadas de aço e polímero, colocados no fundo do mar por navios especializados. Cada cabo contém filamentos de vidro da espessura de um fio de cabelo, capazes de transmitir mais de 1 terabit por segundo usando multiplexação por divisão de comprimento de onda, que permite a passagem simultânea de várias “cores” de luz.
Repetidores a cada aproximadamente 80 km amplificam o sinal, alimentados por milhares de volts enviados pela capa de cobre. Apesar de terem apenas alguns centímetros de diâmetro, esses cabos se estendem por milhares de quilômetros.
Principais cabos submarinos que ligam o Brasil ao mundo
Nome do Cabo | Trecho Principal | Empresas / Destaques |
---|---|---|
Monet | Praia Grande – Fortaleza – Boca Raton (EUA) | Google, Algar, Angola Cables, Antel; cerca de 10.556 km; 64 Tbit/s |
EllaLink | Fortaleza – Sines (Portugal) | Rota alternativa à vigilância dos EUA; cerca de 5.900 km; 100 Tbit/s |
Malbec | Rio/São Paulo – Buenos Aires (Argentina) | Meta e GlobeNet; multiplexação espacial; extensão futura para Porto Alegre (+84 Tbit/s) |
Seabras-1 | São Paulo – Nova York (EUA) | Primeira rota direta SP-NY; cerca de 72 Tbit/s |
SACS | Luanda (Angola) – Fortaleza | Angola Cables; ~6.165 km; 40 Tbit/s |
SAIL | Kribi (Camarões) – Fortaleza | China Unicom e Camtel; ~6.000 km; 32 Tbit/s |
BRUSA / AMX-1 / SAM-1 | Várias rotas até EUA e Caribe | Telefónica, América Móvil, Telxius |
Firmina | EUA – Argentina – Brasil – Uruguai | Google; 12 pares de fibras; operação com alimentação unilateral |
Os principais cabos submarinos do mundo
- SEA-ME-WE 6: conecta Sudeste Asiático, Oriente Médio e Europa, com mais de 19 mil km e capacidade de 100 Tbit/s.
- 2Africa: projeto Meta e parceiros, com 45 mil km, cobrindo África, Europa e Ásia.
- Pacific Light Cable Network (PLCN): liga EUA, Hong Kong, Taiwan e Filipinas, com mais de 12 mil km.
- Marea: da Microsoft e Meta, une EUA e Espanha com capacidade de 200 Tbit/s.
- Hawaiki: conecta Austrália, Nova Zelândia e EUA. Esses cabos mostram a interdependência global e reforçam que a geografia da internet segue a geografia terrestre
Quais são os riscos físicos que ameaçam os cabos submarinos?
Segundo o International Cable Protection Committee (ICPC), são registradas entre 150 e 200 falhas em cabos submarinos anualmente ao redor do mundo.
Cerca de 70 % a 80 % dessas falhas são causadas por atividades humanas acidentais, como pesca e ancoragem, enquanto somente 10 % a 14 % têm causas naturais, como terremotos, correntes submarinas e abrasão.
Reparar um cabo submarino é caríssimo. A estimativa global por incidente varia de US$ 1 milhão a US$ 3 milhões, e em casos extremos, como o EstLink-2 (entre Estônia e Finlândia), o conserto chegou a custar entre €50 e €60 milhões. Parte relevante desse custo advém da logística: de 30 a 70% é consumido em combustível para deslocamento de navios especializados.
O que aconteceria se o Brasil ficasse isolado digitalmente?
Se o Brasil perdesse todas as conexões internacionais, datacenters locais manteriam redes sociais, serviços de streaming e parte das operações bancárias funcionando, mas com limitação severa.
Plataformas que dependem de servidores no exterior sofreriam com latência elevada ou interrupções totais. Regiões do Norte, ainda fortemente dependentes de satélite, ficariam especialmente vulneráveis.
Quem controla os cabos
O controle global dessa infraestrutura é uma disputa estratégica que envolve empresas privadas, governos e organismos internacionais.
Historicamente, grandes operadoras como AT&T, Deutsche Telekom e China Telecom dominavam o setor. Hoje, grandes empresas de tecnologia assumem essa infraestrutura: o Google investiu US$ 47 bilhões entre 2016 e 2018 em cabos e centros de presença; anunciou US$ 1 bilhão em 2024 para novos projetos no Pacífico; e participa do Humboldt Cable, avaliado entre US$ 300 e US$ 550 milhões.
A Meta também planeja uma rede própria de 40 mil km por US$ 10 bilhões. No total, esses players já somam 71 % do tráfico intercontinental de dados.
Governos também mantêm forte presença nesse setor estratégico. A França, por exemplo, nacionalizou a Alcatel Submarine Networks em 2024, reforçando o controle estatal sobre uma das maiores fabricantes de cabos submarinos do mundo.
Nos Estados Unidos, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) impõe restrições rigorosas na concessão de licenças, vetando empresas consideradas riscos à segurança nacional. Já na China, a infraestrutura é inteiramente controlada por estatais, com forte alinhamento às diretrizes do Partido Comunista.
Fabricantes como SubCom (EUA) e NEC (Japão) são responsáveis por grande parte da infraestrutura submarina que sustenta a conectividade global, definindo padrões de capacidade, resistência e alcance das redes.
Para coordenar esforços de segurança e mitigação de riscos, o International Cable Protection Committee (ICPC) reúne mais de 190 membros — entre operadoras, fabricantes e órgãos reguladores, com o objetivo de criar protocolos técnicos, estabelecer diretrizes legais e promover a cooperação internacional na proteção física desses cabos vitais.
Alternativas e planos de contingência
A vulnerabilidade dos cabos submarinos acelera a busca por redundância real. O projeto HEIST, da OTAN, combina sensores avançados com redirecionamento automático de dados via satélites, com operação plena prevista para 2026.
Satélites de órbita baixa (LEO) e média (MEO) — como os das constelações Starlink e OneWeb — já atuam como rede de contingência em situações de emergência, um modelo que países como Taiwan adotaram para garantir conectividade mesmo diante de falhas nos cabos submarinos.
Ao mesmo tempo, a Meta investe na construção de um anel de 40 mil quilômetros de fibra óptica, planejado para contornar áreas de risco sísmico e geopolítico. Em paralelo, soluções como redes mesh e pontos de troca de tráfego (IXPs) regionais fortalecem a autonomia digital de países africanos e insulares.
Embora nenhuma dessas alternativas alcance, isoladamente, a capacidade dos cabos submarinos, a tendência mundial é apostar em arquiteturas híbridas, combinando infraestrutura subaquática, satélites e redes terrestres para ampliar a resiliência da internet global.
E o Brasil?
O Brasil já reconhece formalmente os cabos submarinos como infraestrutura crítica e vem articulando ações para proteger essa rede vital.
Em fevereiro de 2025, o GSI entregou à Anatel um relatório com 17 recomendações, incluindo instalação de sensores e câmeras, criação de protocolos de resposta a incidentes e formação de especialistas.
A Anatel, em parceria com a Marinha, integra uma rede lusófona de cooperação regional e prepara um protocolo de acionamento que será testado no exercício “Guardião Cibernético 7.0” ainda em 2025.
O Ministério das Comunicações também trabalha na Política Nacional de Cabos Submarinos, que busca ampliar pontos de aterragem, especialmente nas regiões Norte e Sul, promover rotas redundantes e atrair investimentos para novos data centers. Exercícios militares realizados pela Marinha já simulam a defesa de estações de cabo, indicando um avanço na integração entre segurança física e cibernética. História de