Os amontoados

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Por Roberio Sulz*
Não parece que tal ocorra apenas em Alcobaça/BA. Mas, é onde se vê, com impressionante frequência, o hábito, no mínimo deplorável, da “superlotação”. Abarrotam-se automóveis, barcos, casas alugadas para veraneio etc. Aparentemente tudo para minimizar o custo “per capita” do lazer na praia.
Até quando a lotação não ultrapasse os limites da segurança e do conforto, nem perturbe o próximo, muito menos o vizinho, a ideia é tolerada como um jeitinho econômico que permite às pessoas de baixa renda usufruir do lazer praiano. Com muito otimismo, poder-se-ia louvar a superlotação como exercício de entrosamento comunitário. O aspecto negativo está no desrespeito a esses limites. Por exemplo, o lixo produzido é esparramado ou, quando menos grave, descartado sem critério, no meio da rua. Até no quintal do vizinho!
Esse super aglomerado de gente, especialmente em dias quentes, geralmente, não cheira nem soa bem. São conhecidos pelos residentes locais como “amontoados”. Definitivamente não são bem recebidos pelos demais turistas nem pelos veranistas de bons modos.
Cabe indagar se, mesmo para eles – os amontoados – é prazeroso curtir esse tipo de programa. Passar dias em situação de desconforto. Dormir, comer e banhar-se mal. Disputar um vaso sanitário e, no aperto, ter que urinar e obrar em qualquer lugar. Depois da porcaria feita, ainda de mãos sujas, camuflar-se no anonimato grupal. Banalizar a falta de higiene e de modos. Divertir fazendo estrondosa zoada, quer pelos diálogos aos gritos, quer pela música de péssimo gosto exibida em altíssimo volume. Beber bebida quente uma vez que as geladeiras disponibilizadas nos imóveis alugados não são suficientes para a montoeira de gente.
Os maus modos terminam contaminando todo o coletivo e não param por aí. Costumam chegar às fronteiras do vandalismo. Ao se retirarem do imóvel locado, deixam para traz danos materiais, redes elétricas danificadas, lâmpadas e chuveiros queimados, móveis quebrados etc. Isso para não dizer dos furtos de utensílios domésticos, talheres, toalhas e outros bens.
Os amontoados não representam bom negócio para ninguém. Está claro!
Quando o proprietário da casa alugada impõe e controla o limite à quantidade de ocupantes, os amontoados dão o golpe: já instalados no imóvel, na lotação máxima, chamam, por telefone, outros mais à ocupação, com o fim de reduzir o custo rateado da hospedagem.
Nos programas fora de casa, os amontoados quando se sentam à mesa de um estabelecimento comercial (cabana, barraca ou bar) para beber, pedem uma cerveja e seis ou mais copos. Só pagam a pedida inicial. As demais são sacadas de suas caixas térmicas trazidas de casa e alojadas sob a mesa. Até o tira-gosto é preparado e levado de casa ao bar para economizar gastos. Além disso, suas crianças circulam pelo ambiente esfregando nos demais fregueses, molhadas e impregnadas de areia, enormes boias resultantes do aproveitamento de câmaras de ar. Perturbam com seus gritos e loucas corridas atropelando clientes, entornando copos e garrafas. Como não bastasse, os amontoados usam gratuita e descaradamente a água doce do comerciante para se banharem e tirar o sal da água marinha. Ai do comerciante que tentar impedir essa malandragem. As reações são imediatas, grosseiras e agressivas. Alegam estar usando espaço público, de acesso franco e ilimitado.
Os amontoados também não costumam fazer compras no comércio local. Trazem consigo praticamente todo seu farnel. Feijão, arroz, macarrão, açúcar, farinha, pão de forma, papel higiênico, sabonete etc. Trazem até sardinhas enlatadas para as cidades praianas, tradicionais redutos pesqueiros, com grande oferta de peixe e frutos do mar.
A superlotação não se resume aos amontados residenciais. Também é vista no transporte de passageiros. Autos de passeio, vans, camionetes e até ônibus são extrapolados em sua capacidade. Crianças são conduzidas nos colos dos adultos sentados, sem cinto de segurança, expondo todos a dramáticas consequências em caso de acidente. Os ônibus fretados, quando chegam à praia, desovam passageiros em assustadora quantidade que dá para duvidar se de lá saiu tudo aquilo. Para não deixar por menos, nestas bandas, ainda não se eliminou o transporte de passageiros, inclusive de crianças, em caçambas abertas de caminhonetes e até em carrocerias de caminhão sem qualquer proteção ou conforto, lembrando os famigerados paus-de-arara.
O pior é que essa gana de economizar no veraneio também afeta os aparentemente os melhores de vida. Nas locações de embarcações para recreação, o fenômeno da superlotação continua vigorando. Não são raros os casos de acidentes fatais com embarcações superlotadas, olvidando as repetidas tragédias mostradas quase diariamente no noticiário internacional, sobre lamentáveis afogamentos e naufrágios de embarcações precárias apinhadas de gente cruzando o Mar Mediterrâneo.
Lá, justifica-se submeter ao risco em busca da liberdade. Por aqui, o risco resulta da tola vaidade provinciana de se mostrar mais esperto na arte de economizar.
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. E pensador por opçã[email protected]