Operação Naufrágio: STJ condena 10 por corrupção no judiciário do Espírito Santo

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Após 17 anos, julgamento expõe esquema de venda de sentenças e levanta debate sobre a lentidão da justiça brasileira

Em um desfecho aguardado por quase duas décadas, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou, no início de junho de 2025, dez pessoas envolvidas na Operação Naufrágio, investigação que revelou um dos maiores escândalos de corrupção no Poder Judiciário do Espírito Santo. A ação penal, iniciada em 2008, expôs um esquema de venda de sentenças, loteamento de cartórios e manipulação de decisões judiciais no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).

O advogado Paulo Guerra Duque recebeu a maior pena: 21 anos e dois meses de prisão em regime fechado, por crimes como corrupção ativa e passiva. Apesar das condenações, quatro réus, incluindo o desembargador Robson Luiz Albanez, foram absolvidos, e a demora no julgamento reacendeu críticas à eficiência do sistema judicial brasileiro.

Um esquema descoberto por acaso

Operação Naufrágio teve origem em interceptações telefônicas realizadas durante a Operação Titanic, que investigava crimes de sonegação fiscal e evasão de divisas no comércio exterior. As escutas, iniciadas em abril de 2008, captaram diálogos que indicavam a negociação de decisões judiciais envolvendo membros do TJES. A Polícia Federal identificou o empresário Adriano Scopel, cuja família controlava 50% do Terminal Portuário de Peiú, em Vila Velha, negociando com o juiz Frederico Luís Schaider Pimentel, conhecido como “Fred”. A investigação revelou que Adriano e seu pai, Pedro Scopel, ofereceram vantagens indevidas para reverter decisões contrárias aos seus interesses em uma disputa pelo controle do terminal portuário “Cais de Paul – Berço 206”.

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou, em 2010, 26 pessoas, incluindo desembargadores, juízes, advogados, servidores do TJES e empresários. Entre os acusados estavam figuras de peso, como o então presidente do TJES, desembargador Frederico Guilherme Pimentel, e seu filho, Frederico Luís Schaider Pimentel. As acusações incluíam corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e formação de associação criminosa. No entanto, o processo enfrentou obstáculos: cinco acusados faleceram, incluindo os desembargadores Frederico Pimentel, Elpídio Duque e Josenider Varejão, e seis tiveram suas penas prescritas, como Pedro Scopel, beneficiado por completar 70 anos.

As acusações: motos, cartórios e favores políticos

O MPF detalhou cinco eventos principais na denúncia. Um deles envolveu a oferta de duas motocicletas Yamaha R1, entregues aos filhos dos desembargadores Frederico Pimentel e Elpídio Duque – Frederico Luís Schaider Pimentel e Paulo Guerra Duque, respectivamente – para manipular um conflito de competência relacionado ao terminal portuário. As motos, segundo as investigações, foram um suborno para garantir que o caso fosse julgado pelo desembargador Elpídio Duque, favorecendo os interesses dos Scopel.

Outro evento marcante foi a tentativa de reconduzir Francisco José Prates de Matos, conhecido como “Doutor Chicô”, ao cargo de prefeito de Pedro Canário, no norte do Espírito Santo. Afastado em 2007 por fraudes em licitações, Chicô teria sido beneficiado por uma decisão do desembargador Josenider Varejão, que recebeu R$ 43 mil em propina, intermediada pelos advogados Paulo Guerra Duque e Jonhny Estefano Ramos Lievori. As interceptações telefônicas revelaram mensagens cifradas para coordenar o suborno, incluindo a distribuição do mandado de segurança para garantir que o processo chegasse ao desembargador subornado.

Além disso, Frederico Pimentel foi acusado de instalar uma serventia extrajudicial em Cariacica, em 2008, para desviar lucros para si e seus familiares, incluindo filhos, noras e genros. As gravações telefônicas indicaram reuniões familiares destinadas a planejar a divisão dos rendimentos e a criação de novos cartórios, reforçando a materialidade dos crimes.

O julgamento: condenações, absolvições e críticas à demora

O julgamento, concluído em 4 de junho de 2025, foi conduzido pela Corte Especial do STJ, sob a relatoria do ministro Francisco Falcão, cujo voto, com mais de 600 páginas, detalhou a gravidade dos crimes. Falcão destacou que os ilícitos ocorreram “na clandestinidade”, criando uma sensação de impunidade. Ele explicou que a corrupção ativa (art. 333 do Código Penal) se consuma com a mera oferta de vantagem indevida, enquanto a corrupção passiva (art. 317) exige apenas a solicitação ou recebimento, independentemente de resultados concretos.

Dos 15 réus remanescentes, dez foram condenados: Adriano Scopel, Larissa Schaider Pimentel Cortes, Dione Schaider Pimentel, Felipe Sardenberg Machado, Henrique Rocha Martins Arruda, Paulo Guerra Duque, Frederico Luís Schaider Pimentel, Leandro Sá Fortes, Roberta Schaider Pimentel e Jonhny Estefano Ramos Lievori. Paulo Guerra Duque, apontado como intermediário em diversos eventos, recebeu a pena mais alta. Pedro Scopel teve sua punibilidade extinta por prescrição.

Quatro réus – Robson Luiz Albanez, Bárbara Pignaton Sarcinelli, Larissa Pignaton Sarcinelli e Gilson Letaif Mansur Filho – foram absolvidos. O ministro Mauro Campbell Marques abriu uma divergência parcial, argumentando que as provas, como conversas telefônicas, não eram suficientes para comprovar os crimes imputados a esses acusados. A maioria dos ministros acompanhou a divergência, absolvendo Albanez, que chegou a ser afastado do cargo em 2021, mas retornou ao TJES em 2023 por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

A demora de 17 anos para o julgamento gerou críticas. O presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, alertou que algumas penas poderiam prescrever em novembro de 2025, devido ao prazo de 16 anos para crimes com pena máxima de 12 anos. A lentidão foi atribuída a fatores como a complexidade do caso, a transferência entre instâncias (TJES, STF e STJ) e o impedimento de 15 desembargadores do TJES. Em posts no X, jornalistas e veículos como @AGazetaES @RicardoBerezin destacaram a demora como um símbolo da falha do sistema judicial, com a expressão “justiça que tarda, falha” ecoando no debate público.

Impacto e reflexões

A Operação Naufrágio expôs a vulnerabilidade do Judiciário a esquemas de corrupção, especialmente quando envolvem redes familiares e interesses empresariais. O caso, descrito pelo MPF como um “balcão de negócios” no TJES, revelou como a cúpula do Judiciário capixaba foi transformada em um espaço de negociação ilícita. A condenação de dez réus, embora significativa, não apaga o impacto da prescrição de penas e da morte de acusados, que impediram uma resolução completa.

Para a sociedade do Espírito Santo, o julgamento trouxe um misto de alívio e frustração. Em editorial, o jornal A Gazeta destacou que, apesar das condenações, “o peso do tempo” comprometeu a percepção de justiça. O caso reforça a necessidade de reformas no sistema judicial para agilizar processos complexos e evitar a prescrição, garantindo que crimes contra a administração pública sejam punidos de forma eficaz.

O desfecho da Operação Naufrágio, após 17 anos, serve como um alerta para a importância da transparência e da accountability no Judiciário. Enquanto as condenações representam um passo contra a impunidade, a lentidão do processo evidencia os desafios de combater a corrupção em instituições fundamentais para a democracia brasileira. Por Alan.Alex / Painel Político

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