Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, morre aos 74 anos

278

Escritor vivia desde 2005 nos EUA. Foi padrinho de algumas indicações no governo Bolsonaro, mas viu influência reduzir nos últimos meses

Fiolósofo Olavo de CarvalhoReprodução/Twitter
Considerado o guru do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho, de 74 anos, morreu na noite desta segunda-feira (24/1), madrugada de terça no horário brasileiro. Ele estava internado em um hospital de Richmond, Virgínia, nos Estados Unidos.

O perfil oficial de Carvalho no Twitter comunicou a morte. Veja:

A causa da morte não foi anunciada. Entretanto, o próprio escritor afirmou que tinha se infectado com o novo coronavírus, causador da Covid-19. Carvalho era casado atualmente com Roxane, tinha oito filhos e 18 netos.

Natural de Campinas (SP), Olavo vivia desde 2005 nos Estados Unidos. Segundo ele, um dos motivos para sua mudança do Brasil para os EUA foi a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) à Presidência da República. Como revelado pelo MetrópolesOlavo desembarcou no Brasil em 8 de julho de 2021 para um tratamento médico, após anos sem pisar no país.

Olavo foi internado com problemas respiratórios em abril do ano passado em um hospital no estado da Virgínia. No Brasil, o escritor foi levado para o InCor, Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), onde foi atendido pelo cardiologista José Antonio Ramires.

Olavo lidava há alguns anos com consequências da doença de Lyme, popularmente conhecida como “doença do carrapato”, que pode causar irritação na pele, dores nas articulações e fraqueza nos membros.

O presidente Jair Bolsonaro (PL), também pelas redes sociais, lamentou a morte do escritor. “Olavo foi um gigante na luta pela liberdade e um farol para milhões de brasileiros. Seu exemplo e seus ensinamentos nos marcarão para sempre”, publicou o perfil. Confira:

Fumante, Olavo propagava a ideia anticientífica de que o cigarro faz bem para a saúde e dizia que o tabaco não tinha ligação com o câncer de pulmão ou doenças cardíacas. Olavo já teve um tumor na traqueia, que o obrigou a se submeter a uma cirurgia delicada.

“Cigarro não faz mal, isto tudo é uma empulhação da Indústria Farmacêutica que vendem remédios que matam a população. Cigarro faz bem para a atividade cerebral e diminui o colesterol, quantas pessoas com Alzheimer fumantes você já viu?”.

Opositor do politicamente correto, em 2013 Olavo publicou o livro “O Mínimo que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota”, considerado um dos manuais da direita brasileira. Outros livros de sua autoria são “O Jardim das Aflições” (1995) e “O Imbecil Coletivo” (1996). Seus livros e artigos divulgam teorias conspiratórias e informações incorretas, além de discursos de ódio.

Entre essas teorias, estão a de que a Terra é plana, a negação do aquecimento global e defesa de que a Pepsi é adocicada com células de fetos abortados.

De astrólogo a representante do conservadorismo

Na juventude, Carvalho diz ter sido militante do Partido Comunista Brasileiro, entre os anos de 1966 e 1968, e opositor da ditadura militar brasileira, tornando-se anticomunista posteriormente.

Trabalhou como jornalista em veículos como Folha de S.Paulo, Planeta, Bravo!, Primeira Leitura, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, O Globo, Época, Zero Hora e Diário do Comércio. Como astrólogo, colaborou no primeiro curso de extensão universitária em astrologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 1979, oferecido a formandos em psicologia.

Crítico do que chamava de pensamento hegemônico de esquerda na imprensa e na academia, Olavo se tornou um expoente da direita brasileira. Em 2020, ele fundou o site Mídia sem Máscara (MSM), com o objetivo de combater o “viés esquerdista da grande mídia brasileira”.

Dos Estados Unidos, Olavo ministrava cursos de Filosofia, transmitidos por vídeos na internet. Em seu canal no YouTube e em seu perfil no Facebook, ele é conhecido por usar palavras de baixo calão e propagar críticas a diversos políticos e figuras públicas. Um dos pontos rechaçados por ele é o que considera o abandono de valores judaico-cristãos pela sociedade.

Apesar da grande repercussão em redes sociais, Olavo não goza de boa reputação na academia, onde suas obras são ignoradas pelos pares.

Relação com governo Bolsonaro

Olavo era tido como uma figura caricata do conservadorismo brasileiro. Após a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) para presidente, porém, ele se revelou um consultor e espécie de guru intelectual de assessores próximos a Bolsonaro.

Em entrevista ao jornalista Pedro Bial em 2019, no programa Conversa com Bial, da TV Globo, Olavo defendeu que o presidente da República desse um ministério para um cada um de seus filhos que seguem carreira política: o senador Flávio (Patriota-RJ), o deputado federal Eduardo (PSL-SP) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos).

“Tomara que ponha os três de ministros. São pessoas muito sinceras, muito honestas”, defendeu.

Os filhos do presidente, que se referem a ele como “professor Olavo”, são justamente discípulos do escritor. A lista de seguidores incluiu ainda figuras já rompidas com Bolsonaro, como o blogueiro de direita Felipe Moura Brasil e a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP).

Em uma de suas primeiras entrevistas após eleito, Jair Bolsonaro apresentou “O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota”, de Olavo de Carvalho, como um dos seus livros de cabeceira. A obra estava acompanhada da Bíblia, da Constituição Federal e do livro “Memórias da Segunda Guerra”, de Winston Churchill.

Tido como o padrinho das nomeações de Ernesto Araújo para comandar o Ministério de Relações Exteriores e de Ricardo Vélez Rodríguez para o Ministério da Educação (MEC), o filósofo assistiu recentemente a uma queda na sua influência no governo. Além da saída de Vélez e Araújo, os irmãos Arthur e Abraham Weintraub também deixaram o governo após acumular uma série de polêmicas.

As saídas dos ministros são acompanhadas por outras em segundo escalão e vistas como um enfraquecimento da ala ideológica no governo. Desde que Bolsonaro passou a buscar uma base no Congresso para lhe garantir governabilidade com vistas à reeleição em 2022, Olavo passou a criticar a aproximação com partidos do Centrão.

Apesar de menos influente, o olavismo ainda tem sua fatia no governo. Seu maior representante hoje é Filipe Martins, assessor especial para assuntos internacionais do presidente da República. Acusado de fazer um gesto racista em uma sessão do Senado Federal, Martins conseguiu se segurar no cargo apesar da queda de Ernesto Araújo.

Em 2017, foi lançado um filme abordando a vida doméstica, biografia e visão de mundo de Olavo de Carvalho. A obra foi dirigida pelo cineasta pernambucano Josias Teófilo e rodada na residência dele em Colonial Heights.

O longa-metragem leva o nome de um dos livros publicados por Olavo, “O Jardim das Aflições”. O filme foi inteiramente realizado com recursos captados através de financiamento coletivo.

Processado por Caetano Veloso

Em 2017, o escritor bolsonarista publicou seguidos posts nas redes sociais classificando o cantor Caetano Veloso como “pedófilo”. Em ação movida pelo artista, Olavo foi condenado a pagar indenização de R$ 2,9 milhões por danos morais.

Em maio de 2021, o desembargador José Giordani, da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), negou um novo recurso de Olavo. Apesar da decisão do TJRJ, Olavo ainda podia entrar na Justiça com embargos de declaração para tentar um novo recurso. Por Flávia Said / Metrópoles.

Últimas palavras de Olavo de Carvalho foram de crítica a Bolsonaro. O autoproclamado filósofo chamou o presidente de burro, covarde e fraco, e dava por perdida a eleição de outubro deste ano

Olavo de CarvalhoReprodução
O autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, 74 anos, morreu na madrugada de hoje rompido politicamente com o presidente Jair Bolsonaro. Eles já não se falavam há quase um ano. Olavo recusava o título de guru de Bolsonaro e dos seus filhos. E dizia só tê-lo encontrado na vida não mais do que quatro vezes.

Olavo viveu e morreu ao seu gosto, provocando polêmicas. Suas últimas palavras sobre Bolsonaro foram ditas em uma live no dia 20 de dezembro último, da qual participaram em silêncio os ex-ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Abraham Weintraub (Educação) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores).

Na ocasião, a propósito das eleições de outubro próximo, Olavo vaticinou que a “briga está perdida”. “O Brasil vai se dar muito mal, não venham com esperanças tolas. Existe uma chance (de ele voltar), mas remota. Só se Bolsonaro acordar, e eu não sei como fazê-lo acordar.” Os três ex-ministros afastaram-se do presidente.

O escritor chegou a dizer que o presidente é um “excelente administrador”, mas o comparou a um prefeito de “cidade do interior”, acusando-o de covardia. Descartou a ideia de que Bolsonaro representa a direita brasileira: “No Brasil, ou você é comunista ou é neutro. Não existe direita. Existe bolsonarismo”.

A relação entre os dois foi se tornando mais hostil com a passagem do tempo. Era boa no começo do governo em 2019 quando Olavo emplacou Araújo como ministro das Relações Exteriores e o professor colombiano Ricardo Vélez Rodríguez como ministro da Educação. Um ano depois, já era sujeita a chuvas e trovoadas.

Em maio de 2020, por exemplo, em entrevista à BBC Brasil, Olavo disse que era possível chamar Bolsonaro de “burro”. Disse, porém, que ele não seria ladrão. Em junho, acrescentou o adjetivo “fraco”. Escreveu em sua conta no Twitter:: “Se esse pessoal não consegue derrubar o governo, eu derrubo”.

A família de Olavo não revelou as causas de sua morte. No último dia 16, ele anunciou que contraíra a Covid. Durante a pandemia, não se cansou de repetir que o vírus nunca matara ninguém. Na madrugada de hoje, Bolsonaro lamentou sua morte. A morte da cantora Elza Soares, há poucos dias, não lamentou. Por Ricardo Noblat / Metrópoles