O merecimento

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Como prometido, deixarei para os caros leitores neste mês mensagens para meditações profundas…
Saturnino era francamente um dos melhores homens. Companheiro dos humildes. A caridade em pessoa. No trabalho, era o amigo fiel do horário e do otimismo. Por isso mesmo, quando foi visto de mão a sangrar, junto à máquina de que era condutor, todas as atenções se voltaram para ele.
O chefe da tecelagem socorreu-o, solícito, e o internou em magnífico hospital. Operação feliz. O cirurgião informou que, apesar de ter todo o braço direito ferido, Saturnino perdera somente o dedo polegar. Longe dali, seus companheiros de trabalho e seus amigos indagavam-se:
– Porque um desastre destes com um homem tão bom?
Também não faltou quem dissesse:
– Que adianta a religião, tão bem observada? Saturnino é espírita convicto e leva a sério seu ideal. Vive para os outros. Na caridade, é um herói anônimo. Porque o infausto acontecimento?
À tarde, quando o acidentado apareceu muito pálido, foi rodeado pelos amigos. Saturnino agradeceu à Generosidade. Sorriu, resignado. Proferiu palavras de agradecimento a Deus. Contudo, estava triste. À noite, em companhia da esposa, compareceu ao Centro Espírita que frequentava. Sessão íntima. O orientador espiritual das tarefas, após traçar diretrizes, dirigiu-se a Saturnino:
– Meu filho, não se entregue a tristeza inútil. Você hoje demonstra indiscutível abatimento. Entretanto, não tem motivo. Quando você se preparava para o mergulho no berço terrestre, programou a excursão presente, de trabalho, de reajuste. Acontece que você formulou uma sentença contra você mesmo…
Fez uma pausa e prosseguiu:
– Há oitenta anos, você era poderoso sitiante no litoral brasileiro e, certo dia, porque um empregado enfermo não pôde obedecer às suas ordens, você, com as próprias mãos, obrigou-o a triturar o braço direito no engenho rústico. Por muito tempo, no plano espiritual, você andou perturbado.
E continuou:
– E você implorou por esta existência humilde em que viesse a perder no trabalho o braço mais útil. Mas, você, desde a mocidade, ao conhecer a Doutrina Espírita, tem os pés no caminho do bem aos outros. Tem trabalhado, esmerando-se no dever… Sei, porém, que hoje, por débito legítimo, alijaria você todo o braço, mas perdeu um só dedo… Regozije, meu amigo! Você está pagando, em amor, seu débito à Justiça…
De cabeça baixa, Saturnino derramava grossas lágrimas de conforto, apaziguamento e de alegria… Na manhã seguinte, compareceu pontual ao seu trabalho, embora o médico tivesse lhe licenciado por trinta dias. E quando indagado acerca de seu procedimento, respondeu:
– O senhor está enganado. Não estou doente. Fui apenas acidentado e posso servir para alguma coisa.
E caminhando, fábrica a dentro, falou alto, como se todos devessem ouvi-lo:
– Graças a Deus. Muita Paz!!!