O covarde dissimulado: como a mediocridade sabota a história

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Por Henrique Matthiesen*

Ao longo da história, muitas figuras se impuseram não pela grandeza de suas ideias, mas pela habilidade de mascarar sua pequenez. São aqueles que, incapazes de criar, constroem sua trajetória sobre o silêncio cúmplice, a intriga velada e a traição planejada. Na superfície, aparentam prudência, neutralidade ou pragmatismo; na essência, cultivam apenas medo, inveja e cálculo mesquinho.

Caricatos, são perfeccionistas da mediocridade: pastinha nas mãos, camisas meticulosamente dobradas, cabelos sempre alinhados. Vivem nas sombras, cultivam e só agem nos bastidores — alérgicos à luz, enfermos de caráter.

Aristóteles, ao refletir sobre a virtude, afirmava que a coragem é a justa medida entre a temeridade e a covardia. O covarde, por sua vez, foge da responsabilidade — e essa fuga não é neutra: é um ato moralmente corrosivo. Ele se torna cúmplice pelo silêncio, perpetuando injustiças que poderiam ser combatidas, mas que lhe convém manter.

Nietzsche foi ainda mais incisivo ao denunciar a lógica da mediocridade. Para ele, o ressentimento é a força motriz do homem pequeno: incapaz de criar valores, prefere negar o brilho dos outros. Assim age o farsante da moral, aquele que, sob a capa de prudência ou realismo, esconde sua incapacidade de viver com autenticidade. Sua suposta “virtude” não passa de uma máscara social que encobre a renúncia à própria essência.

Kierkegaard chamava esse estado de “desespero”: viver sem coragem de ser o que se é, traindo constantemente a si mesmo. O prisioneiro do medo não age conforme acredita, mas conforme teme. É escravo de cálculos mesquinhos, sempre preocupado em preservar migalhas de prestígio, ainda que isso lhe custe a dignidade. Daí nasce o traidor de si mesmo, que, antes de prejudicar os outros, mutila sua própria liberdade interior.

Hannah Arendt nos alertou para a “banalidade do mal”: a capacidade do ser humano de cometer atrocidades não por convicção, mas por conformismo e mediocridade. O espectador da história encarna isso: nunca se compromete, nunca se expõe, reduzindo sua vida à sombra dos atos alheios — julgando sempre, construindo nunca. Sua passividade é uma forma ativa de colaborar com a injustiça.

Essas figuras não sobrevivem em ambientes transparentes. Precisam da penumbra da fofoca, da lógica do interesse e da traição como método. A dissimulação é sua identidade: mudam de discurso conforme a conveniência, mas nunca revelam o que realmente pensam. A inveja é seu motor: incapazes de conquistar por mérito, deleitam-se com a queda do outro. A hostilidade à excelência é seu refúgio: o brilho alheio os ofende, e sua reação é sempre reduzir, ridicularizar ou ignorar.

Blaise Pascal advertia que “o homem é visivelmente feito para pensar; nisso reside toda sua dignidade”. O medíocre, porém, rejeita a profundidade, porque refletir exige coragem e responsabilidade. Contentam-se com a superfície, repetem fórmulas prontas, alimentam intrigas estéreis. São servos do conformismo, incapazes de criar.

Mas o perigo maior não está apenas em sua pequenez pessoal. Está no fato de que, quando esses indivíduos alcançam cargos de poder, transformam a covardia em método de governo e a mediocridade em norma coletiva. O que poderia ser apenas um vício privado torna-se ameaça pública. O covarde dissimulado sabota projetos, mina instituições e corrói a confiança social — tudo em nome de sua sobrevivência e da manutenção do pequeno poder que conquistou.

Por isso, é preciso estar atento: tais figuras não são apenas desprezíveis, mas perigosas. Elas podem travar a história, impedir a justiça e sufocar a criatividade. Reconhecê-las e denunciá-las é um dever ético. Como ensinava Aristóteles, “a pior forma de desigualdade é tentar fazer iguais coisas desiguais”. Não podemos conceder à mediocridade o mesmo peso da excelência, nem ao silêncio cúmplice o mesmo valor da coragem.

Em última instância, cada um de nós é chamado a escolher: ser espectador da história ou protagonista da transformação. E, diante dos que se escondem atrás de máscaras, resta-nos a coragem de arrancá-las.

*Henrique Matthiesen é Formado em Direito e Pós-graduado em Sociologia.

 

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