O brigadeiro

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Em toda festinha que se preza, sempre há uma boa quantidade de uns docinhos esféricos com granulado conhecidos por brigadeiro. É a deleitação de toda criança. Alguns ambulantes os vendem de porta em porta para arrecadar fundos de campanha. Seria demais cogitar a origem do nome de tão cobiçado acepipe? Segundo Lira Neto, em seu Getúlio, último volume de sua trilogia, sobre o Ditador, surgiu com a candidatura de Eduardo Gomes a presidência da República, pela UDN, contra o General Eurico Gaspar Dutra, pelo PSD, logo depois da deposição de Getúlio Vargas, em 1945. Dutra tinha sido o Ministro da Guerra de Getúlio e ajudou na sua deposição. Eduardo Gomes era da Aeronáutica e usava a patente de Brigadeiro, equivalente a General de Brigada do Exército. Moço, guapo, bonitão e solteiro era garboso e bem diferente de Dutra, baixinho e feio. Por isso as moças logo ficaram simpáticas pela sua candidatura e também pelos slogans da propaganda udenista: “Vote no brigadeiro, que é bonito e solteiro”. Para arrecadar fundos de campanha era vendido de porta em porta os tais docinhos de chocolate, daí então passou a ser conhecido em todo o país como “brigadeiro”. Nesse passo Lira Neto diz que “as más línguas, contudo, fariam outra espécie de associação a respeito: como Gomes saíra ferido no episódio dos Dezoito do Forte, supostamente atingido nos testículos – o apelido da iguaria, constituía, segundo a tradição oral, uma alusão ao fato de ela ser preparada sem a necessidade de se acrescentar ovos na receita. Numa outra versão, também recorrente, o nome era devido ao fato de o doce ter uma “bolinha só, assim como o brigadeiro”. (pg. 29). A excitação pela candidatura do Brigadeiro contagiou a todos, inclusive o poeta Manuel Bandeira que lhe dedicou um poema, que dizia: “Brigadeiro da esperança/ Brigadeiro da lisura;/ Que há nele que tanto afiança/ A sua candidatura?;/- Alma pura!/ O Brasil, barco tão grande/ Perdido em denso nevoeiro/ Pede mão firme que o mande:/ Deus manda que timoneiro? – O Brigadeiro”. Alguns compositores musicais também dedicaram suas canções ao Brigadeiro. Ainda assim o Brigadeiro foi derrotado, obteve pouco mais de dois milhões de votos, contra os três milhões e duzentos mil de Dutra. O episódio conhecido com os Dezoito do Forte de Copacabana merece algumas linhas explicativas. Até hoje sempre que se lembra do fato, fala-se “Os Dezoito do Forte”. Contudo, o próprio Eduardo Gomes, patrono da Aeronáutica, elevado à condição de Ministro daquela pasta, no governo Castello Branco, negou ao repórter, que o entrevistou, que fossem 18 os tenentes revoltosos. Perguntou então, o reporter, “por que V. Exa. nunca desmentiu o boato, declinando a  verdadeira quantidade, por tanto tempo divulgada?”. Resposta: “Nunca me perguntaram”. Os tenentes sob a liderança de Xavier de Brito, Sousa Dantas, Juarez Távora, Carneiro de Mendonça e Odílio Diniz, na impossibilidade de um levante na Vila Militar, sublevados, se homiziaram no Forte de Copacabana, sob o lema “Vencer ou Morrer”. Siqueira Campos sugere a destruição do Forte, com explosão do paiol de pólvora, morrendo toda a guarnição em seus postos. A  ideia é descartada sob o argumento de que o Forte não era propriedade deles e não lhes parecia legítimo, sacrificar a vida de seus soldados. Siqueira Campos segue firme no propósito de bombardear todos postos militares da cidade e resistirem no Forte até o último homem. Eduardo Gomes avalia que tal bombardeio afetaria a cidade com graves danos para a população e propõe que deveriam sair do Forte e enfrentar em corpo a corpo, em plena rua. Apelidada de Jornada da Morte, com entusiasmo, dividiram a bandeira do Forte, que não se rendera, em pedaços, tal a Canudos de Antonio Conselheiro,  onde Mário Carpenter, num nebuloso pressentimento escreveu: “Forte de Copacabana, 06 de julho de 1922. Aos queridos pais, ofereço um pedaço de nossa bandeira, em defesa da qual resolvi dar o que pude… minha vida. Mário Carpenter”. Retiram os soldados que não quiseram participar, restando apenas ONZE. Armados com fuzis e pistolas partiram para o campo aberto da luta em plena Avenida Atlântica. No caminho encontram um paisano, Otávio Correia, gaúcho a passeio pelo Rio, que vendo aquele desfile, pergunta: “Para onde vão?” “Para a morte” “E por que?” “Para ajudar a salvar o Brasil” “Então, também vou”. Newton Prado dá-lhe o fuzil e fica com o revólver. Na rua Siqueira Campos começa a fuzilaria e Otário Correia foi atingido mortalmente, juntamente com Mário Carpenter. Feridos gravemente ficaram Siqueira Campos, Newton Prado e Eduardo Gomes. Esta a verdadeira história da epopéia do episódio dos Dezoito do Forte, contada por Paulo Pinheiro Chagas, em seu livro As Idéias Não Morrem, pg. 139/140, 2ª. Edição, 1983. Realmente, os Dezoito do Forte foram apenas ONZE,  ou DOZE, se se acrescentar  o gaúcho. Como dizem os mineiros: “O importante não é o fato, mas a versão dos fatos”. Teixeira de Freitas, 14 de novembro de 2014. Morre o poeta Manoel de Barros. *Ary Moreira Lisboa é advogado e escritor.