Por Roberio Sulz*
Não é falso alarme, não! A pandemia está aí e promete ficar ainda por tempo bem maior que as esperanças apontam, mesmo com a vacinação. Já se registra uma segunda onda sem se afastar a possibilidade de ondas subsequentes. Também preocupa o crescente número de casos de recaídas em pacientes teoricamente curados, sem falar na expansão do vírus para animais domésticos e alguns silvestres.
Talvez por falta de conhecimento biológico, a mídia vem atribuindo como causa a esses novos efeitos quase que unicamente o relaxamento nos cuidados preventivos de isolamento social, em favor do lazer, da necessidade de trabalho e outros fatores de aproximação e agregação.
Registram-se recidivas afetando pacientes em alta médica há um ou dois meses, com redução a zero de anticorpos para a covid-19. Alguns casos apresentam sintomas recrudescidos levando o paciente a óbito. Como se trata de comportamento epidemiológico incomum, já se leva em conta a hipótese de a recidiva ser causada por vírus mutante da covid-19, com capacidade até de bloquear nos infectados efeitos imunológicos ao vírus original e, pior, apresentar maior e mais diversificado poder patológico.
A volatilidade mutacional em vírus é bem conhecida e justificada biologicamente por sua constituição extremamente simples: uma ou duas moléculas genéticas (DNA e/ou RNA), revestida de uma cápsula proteica e, em alguns, ainda envelopado por camada lipídica (de gordura) como é o caso do corona. Por si só os vírus são incapazes de se multiplicar, o que ainda suscita a dúvida se são verdadeiramente seres vivos. Não se locomovem por si, chegam às células carreados pelo sangue e por outros fluidos correntes. Ao atingirem células específicas, invadem-nas e hospedam-se no seu interior fazendo-as replicar seu material genético. Assim, as células invadidas “fabricam” novos vírus que irão infectar outras células. Esse processo de reprodução por cópia do DNA ou RNA do vírus é rápido e cada célula invadida fabrica grande quantidade de vírus. Se, com isso, a infecção é disseminada de modo explosivo, por outro lado no meio dessas milhares de cópias, ocorrem falhas e imperfeições, produzindo cópias “defeituosas” do vírus original, que são os “mutantes”. Quase a totalidade dos mutantes é inviável, descartável, e de nula importância patológica. Mas, mas, (para má sorte do hospedeiro) também ocorrem mutantes altamente patológicos a provocar variação com sintomas diferentes do vírus original, ou mesmo inesperados sintomas nada conhecidos, até com risco de causar óbito. Esses mutantes, de início, são imunes aos anticorpos em circulação para o vírus original, o que lhes deixa mais agressivos.
É por aí que melhor se explicam as recidivas com diferentes sintomatologias, umas graves e outras controláveis, podendo ainda ser a causa de segundas, terceiras ou mais ondas virais sequenciadas, se não controladas por isolamento social e vacinação em massa periódica. A gripe, em suas várias formas, por ser virose freguesa da humanidade de longa data, tem seu controle por vacinação anual, usando-se novos imunizantes de acordo com as alterações descobertas nos mutantes.
Outro efeito da mutação viral em humanos está na possibilidade de a virose humana produzir mutantes com especificidade para animais domésticos, assim como o inverso: mutações em viroses de animais domésticos (ou outros) produzirem mutantes infecciosos para a espécie humana.
As pandemias, como a atual, de abrangência planetária, sem exceções, surpreendeu o meio médico epidemiológico por ser coisa rara no comportamento viral, visto que os vírus são geralmente altamente específicos, restringindo sua ação a determinada região geográfica, grupo racial, grupo etário etc. Muitas vezes mostrando-se dependente de combinações externas, variáveis ambientais, alimentação, estresse, ou por excesso ou falta de algum componente na fisiologia do hospedeiro. Pode, inclusive, atacar um hospedeiro oportunisticamente aproveitando-se de sua debilidade física ou fisiológica decorrente de doença causada por bactéria, fungo ou outro patógeno.
Esse entendimento não é animador no atual quadro epidemiológico que, por suas características pandêmicas, afetando indistintamente todas as raças humanas em todos os recantos do planeta, aparenta ser causado não por um único vírus, mas certamente por um batalhão de mutantes e pró-mutantes muito semelhantes entre si, gerando dúvida sobre a validade estratégica de se produzir e comercializar hoje tantas doses de vacina. Com certeza, muito desse estoque de vacinas será descartado quando se tornarem disfuncionais com a evolução mutacional do coronavírus.
Nessa linha, foram empreendidas várias pesquisas, especialmente na Europa, resultando na descoberta e descrição de centenas de mutantes do coronavírus, incluindo o mutante “20A.EU1”, notado incialmente em trabalhadores agrícolas espanhóis, agora difundido em mais de doze países europeus, e supostamente considerado o responsável pela segunda onda que se alastra naquele continente. Esse mutante (ou quem sabe outro semelhante) foi reconhecido também em Hong Kong e na Nova Zelândia.
Embora nesta segunda onda europeia a quantidade de infectados seja bem maior que na primeira, mostra elevado número de casos de menor gravidade, passíveis de cura, o que sugere, nesse caso, ser o mutante menos agressivo e mais suscetível às terapias em uso. Tomara!
Não esqueçamos, entretanto, que essa nova forma viral pode gerar novos mutantes dele mesmo, sem que tenhamos condição de prever sua gravidade, se maior ou menor. Pelo sim, pelo não, a melhor prevenção continua sendo o isolamento ou distanciamento social, o uso correto de máscara sobre o nariz e a boca e a higiene das mãos com álcool como estratégia para dificultar a disseminação do coronavírus.
*Roberio Sulz é biólogo, biomédico e professor com licenciatura plena em Ciências Biológicas pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. Membro correspondente da ALAS – Academia de Letras e Artes do Salvador. [email protected]