Novas revelações sobre a parceria do governo dos EUA com a Lava Jato

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Agência Pública

Documentos inéditos revelam mais reuniões com procuradores americanos e visitas de agentes do FBI

Por Por Natalia Viana, Alice Maciel, Amanda Audi

Uma reunião realizada entre membros da Força-Tarefa Lava Jato e membros do governo americano, no MPF do Rio de Janeiro, em janeiro de 2025 passou despercebida da opinião pública – até agora.

Segundo um documento confidencial obtido pela Agência Pública, a reunião que durou dois dias (28 e 29 de janeiro) reuniu altos membros do MPF e executivos da SEC, a comissão de valores mobiliários do governo americano, que discutiram pormenores do acordo para dividir a verba da multa da Petrobras, incluindo “quais seriam os destinos aceitáveis” e como os brasileiros poderiam usá-lo, mais uma indicação que a criação da Fundação da Lava Jato fez parte das tratativas com os norte-americanos.

O documento em questão estava entre os arquivos reunidos no celular de Deltan Dallagnol que foram obtidos pela Polícia Federal na Operação Spoofing. Ele faz parte de novos documentos obtidos pelas repórteres da Pública durante a apuração para a audiossérie Confidencial – As Digitais do FBI na Lava Jato, lançada em parceria com a Audible em setembro (clique aqui para ouvir a audiossérie na Plataforma).

Durante a reunião, os procuradores americanos também ficaram sabendo de outras apurações que envolviam funcionários americanos de empresas investigadas pelo MPF. Entre elas, funcionários da petroquímica Braskem, das empresas de serviços de perfuração em alto-mar Ensco/Pride e Vintage Drilling, e da empresa de venda de asfalto Sargeant Marine.

Outros temas ainda mais sensíveis chamaram a atenção dos investigadores americanos. A procuradora Laura Tessler fez uma apresentação trazendo “visão geral das evidências que a MPF possui em relação à Rodovia Transoceânica”. Ou seja, a Rodovia Transoceânica, que o noroeste do Brasil ao litoral sul do Peru – um projeto de importância estratégica – também estava na mira dos procuradores, e era de interesse do governo norte-americano.

Laura Tessler também apresentou aos visitantes o caso da Refinaria de Passadena, pelo qual a então presidente Dilma Rousseff estava sendo investigada – e foi depois inocentada.

Do lado brasileiro, participaram da reunião os procuradores Deltan Dallagnol, Paulo Galvão, Diogo Castor de Mattos, Roberson Henrique Pozzobon, Laura Gonçalves Tessler e Vladimir Aras. O grupo da SEC incluía os advogados Spencer Bendell, Kara Brockmeyer, Lance Jasper, Samantha Martin, Jonathan Scott, e Carlos Costa Rodrigues.

O advogado Lance Jasper, que hoje é sócio de um escritório privado de advocacia em Los Angeles, lembrou em entrevista para a audiossérie sobre essa reunião.

“Eu me lembro de que foi uma época muito interessante para estar no Brasil, uma época muito intensa”, disse. “Me lembro de ser um momento muito sério para estar no Brasil e tentei ser respeitoso quanto a isso”.

“Quanto à investigação da Petrobras, e falando apenas do ponto de vista da SEC e do que está disponível no registro público, não foi um caso típico do FCPA”, disse ele, referindo-se à lei Foreing Corrupt Practices Act, que permite ao governo dos EUA investigar casos de corrupção internaciona. “Porque não se tratava de alguém subornando um funcionário para conseguir um contrato ou acesso a algo. Era um esquema de apadrinhamento político, onde os benefícios para a Petrobras como empresa eram muito menos claros”

Para ele, entretanto, não havia interesse estratégico do governo norte-americano na parceria com a Lava Jato. Ele diz que a corrupção na petroleira brasileira “se tornou problema dos Estados Unidos quando a Petrobras veio e vendeu 10 bilhões de dólares em valores mobiliários”. A SEC monitora todas as empresas que vendem ações na bolsa de Nova York e fez parte, junto com o Departamento de Justiça, das investigações contra a Petrobras que renderam uma multa milionária ao governo dos EUA – 853 milhões de dólares, a maior já obtida até então com um acordo de leniência por corrupção internacional.

Essa foi a terceira reunião entre os membros da Força-Tarefa e o governo norte-americano registrada pelos documentos vazados. A primeira ocorreu entre 6 e 9 de outubro de 2015 e foi feita de maneira ilegal, por não ter sido avisada e nem aprovada pelo Ministério da Justiça. A revelação foi feita pela Agência Pública em parceria com o The Intercept Brasil.

Mas aquela primeira visita pode ter sido mais importante para o governo americano do que se sabia antes. Segundo outro documento obtido pela reportagem para a audiossérie, vieram para o Brasil mais representantes do governo americano naquela mesma época.

A revelação consta de uma lista de vistos concedidos a representantes do governo americano para o Brasil nos anos de 2015 e 2016. A lista foi enviada pela Secretaria de Estado das Relações Exteriores do Itamaraty ao Deputado Federal Ivan Valente após um pedido de esclarecimentos.

Agentes do FBI

A lista revela que dois agentes do FBI, Michele Marie Tucker e Michael Roderick, vieram ao Brasil de 14 a 18 de setembro de 2015, aos cuidados do adido legal Steven L Moore, que esteve envolvido nas investigações da Lava-Jato e esteve na visita à sede do MPF em Curitiba.

Outros agentes do FBI que obtiveram visto para ir à Curitiba entre 3 e 10 de outubro foram Mark Schweers e Jeff Pfeiffer. Mas, na mesma semana, os advogados da SEC Spencer Evan Bendell  e Lance Jasper, também vieram ao Brasil para participar da visita à Curitiba, e não estavam na lista oficial entregue por Deltan Dallagnol à PGR.

Além deles, outros nomes chamam a atenção: os agentes do FBI Deborah Ann Washignton e Christopher Joseph Sedmak vieram aos Brasil entre setembro e outubro de 2015 para prestar assistência ao adido Steve Moore.

O documento revela ainda que a agente Leslie Backshies, agente filha de brasileiros e que chegou a comandar o esquadrão de corrupção internacional do FBI, veio mais vezes ao Brasil do que se sabia. Há um registro de entrada entre 14 e 18 de julho de 2017. A visita chama a atenção porque ocorreram pouco antes a assinatura do acordo do governo americano com a Petrobrás, em setembro de 2017.

Leslie era uma das principais investigadoras envolvidas nos casos de corrupção envolvendo a Petrobras e Odebrecht, e foi descrita pelo seu chefe do FBI como tendo feito “um trabalho tremendo” e “crítico para o FBI” durante a parceria com o MPF de Curitiba. Sua trajetória foi retratada em uma reportagem da Pública em 2020.

Outros funcionários do governo americano estiveram por aqui naquela mesma época.

Entre os dias entre 12 e 16 de agosto de 2017, o procurador do Departamento de Justiça dos EUA, Mark Edward Bini, esteve em SP, aos cuidados de Deltan Dallagnol.

Thimothy S Pack, descrito como um “funcionário do FBI” vem “para prestar assistência administrativa” a Steve L Moore” de 10 a 27 de setembro de 2015.

O documento do Itamaraty também traz nomes de agentes secretos, militares e agentes da DEA que vieram ao Brasil no mesmo período – e que não têm relação com a investigação da Lava Jato. Abaixo, publicamos o documento na íntegra.

“Hawala Dealers”

A relação com os americanos mais além da parceria é demonstrada por outro documento vazado, uma apresentação em PowerPoint feito por Deltan Dallagnol para uma apresentação sobre a Força-Tarefa Lava Jato na Universidade de Harvard, nos EUA, em abril de 2016.

No documento, Deltan explica que a origem da lava jato teve como origem o monitoramento de operadores Hawala Dealers – os doleiros –, uma comunidade que atraía enorme interesse e monitoramento do governo americano, segundo um documento diplomático da embaixada dos EUA em Assunção vazado pelo WikiLeaks.

No PowerPoint, Deltan Dallagnol também acusava o presidente Lula de fazer parte do “verdadeiro esquema criminoso” e detalhava como o MPF estava coordenando a campanha pela aprovação das 10 Medidas Contra a Corrupção.

Além de novos documentos, a audiossérie Confidencial – As digitais do FBI na Lava Jato ouviu relatos inéditos de procuradores, policiais federais, advogados e acusados dos casos de corrupção investigados pela Lava Jato. A série complete pode ser ouvida na Audible. Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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