A brisa das estradas voa na janela dos automóveis. Ligeira e imprevisível ela sopra o mundo em um frenético vai e vem de carros que acomodam vidas humanas enternecidas de sonhos e de famílias que aguardam a chegada de um sorriso alvoroçante na porta.
Novas paisagens chegam, outras vão passando rapidamente pelo retrovisor e se esquivam em curvas disciplinadas ou eximiamente sorrateiras. No mundo do trânsito, além da beleza natural que floresce pelo caminho, existem normas preestabelecidas. E as leis que ajudam compor o trânsito e organizá-lo, muitas vezes são esquecidas no banco de trás e a consequência desse descaso é a soma das vítimas que deixam seus corpos estendidos no asfalto ou no chão de terra batida, ambiente de trabalho dos mais caprichosos e também dos irresponsáveis condutores.
No mundo da velocidade um milésimo de segundo é o tempo suficiente para transformar a agradável brisa em uma cortina de poeira ou em um tornado sangrento de tristeza e desespero. No transporte de vidas não há sorte nem acaso, tudo é exatidão, cautela e seguimento preciso dos sinais expostos no decorrer das vias em placas, visíveis ou não.
Apesar das más condições das estradas, que contribuem para inúmeros acidentes, é necessário nos vestir de uma verdade trágica e dar a “César o que é de César”, pois não podemos culpar somente os buracos e outros incômodos que já fazem parte do cenário das viagens. É preciso entender que no universo do trânsito a lei da exatidão impera sem brechas e ela não aceita comoções.
Os agentes de segurança pública, que também conhecem na prática os perigos oferecidos por motoristas imprudentes, porque também dirigem, deveriam ser intolerantes frente às aberrações que acontecem diariamente no trânsito e fazerem cumprir as leis com rigor, uma vez que a maioria dos acidentes que ocorrem nas estradas está relacionada com a imprudência dos motoristas, principalmente envolvendo excesso de velocidade e de passageiros, ultrapassagens perigosas e falta do uso do cinto de segurança.
Há uma pergunta flamejante que pulsa e arde intermitentemente em nosso mundo de reflexões. Quem são os culpados? As autoescolas? As leis brandas e a morosidade da Justiça que não punem ou demoram punir e, por isso, acabam incentivando os crimes de trânsito? Os prefeitos que distribuem alvarás sem critérios? Os passageiros que, no afã de chegar logo, viajam com qualquer cópia malfeita de motorista? Ou as empresas de ônibus que, na maioria, oferece um desserviço à população, que se vê obrigada a encontrar outros meios de transporte?
Sejamos justos diante desse banco de réus, pois quem pratica qualquer tipo de irresponsabilidade no trânsito é tão destituído de humanidade como quem a aceita. Na balança da justiça é impossível dizer quem é mais culpado, se o motorista que pratica o excesso de velocidade e de passageiro ou o passageiro que aceita tais práticas e não faz uso do cinto de segurança. Parece que a culpabilidade de ambos está no mesmo nível. E o que tanto nos incomoda é que a adição do mau-caratismo e a falta de educação no trânsito são pagas, muitas vezes, por inocentes que são levados sem a certeza de que vão chegar para abraçar o amigo, o filho e a esposa.
Nos últimos anos muitas vidas foram ceifadas, vítimas de condutores irresponsáveis que, embalados pela pressa e pela ambição pecuniária ou não, brincam com a vida alheia. Mesmo com a precisão irreversível do trânsito muitos motoristas acreditam que o aço que os envolvem é composto pelo poderoso material criado pelo universo Marvel, o Adamantium.
Enquanto as estradas continuam sendo a vitrine da imprudência e do medo, os responsáveis por almas dilaceradas pelo sentimento de perda continuarão embasados na covardia e na pobreza de espírito. E como essas pessoas, geralmente, não têm a coragem de apontar os culpados ou assumir a culpa pelas demências praticadas no trânsito, permanecerão arraigadas no pedestal da ignorância e continuarão dizendo que tudo é vontade de Deus e que a culpada mesmo é a infeliz fatalidade. Edelvânio Pinheiro é jornalista e graduado em Letras Vernáculas.