Não é apenas a miscigenação

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Nos anos 1930, o sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre revolucionou o pensamento brasileiro ao defender radicalmente a miscigenação. Freyre, cuja formação ocorreu em grande parte nos Estados Unidos, comparou a situação racial tensa deste País com o que enxergava como relativa paz, no Brasil.
Para Freyre, a imensa miscigenação do Brasil, que atingia também os imigrantes europeus recentes, era prova de que o País não era racista como os Estados Unidos – éramos, enfim, uma “democracia racial”, em que ninguém se achava mais puro do que ninguém.
A ideia de democracia racial pegou, e por claros motivos – afinal, ela restabeleceu o orgulho nacional e mostrava um ponto em que o Brasil era superior à Europa e aos Estados Unidos. Mas, os números e a realidade dizem que há algo fora do lugar nesse suposto paraíso racial: segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicada em 2010, famílias chefiadas por pessoas brancas consomem 89% mais do que famílias negras e 79% mais do que pardas. Comerciais, novelas e séries de TV apresentam uma clara desproporção de brancos em relação à realidade da população.
Desde os anos 1970, o movimento negro brasileiro busca desconstruir essa ideia de democracia racial. Ainda que a miscigenação seja inegável, ela não apagou o pensamento de que “branco é melhor”. Se há um degradê de cores no Brasil, há uma preferência clara para uma ponta desse espectro. O racismo brasileiro é diferente do norte-americano (nos Estados Unidos, existiam leis de segregação racial até os anos 1960), mas nem por isso é algo menor ou menos nocivo.
Nem todos os militantes negros concordam na questão de cotas para universidades, mas há uma tendência geral de valorizar a parte africana da cultura brasileira e a identidade negra. Desde 2003, a cultura afrobrasileira tornou-se obrigatória no currículo escolar, e o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3), em processo de aprovação, prevê a obrigatoriedade de uma proporção realista de partos e negros na televisão.
Interessa também ao movimento negro a questão dos quilombolas, comunidades rurais remanescentes de escravos fugidos. Os quilombolas são cristãos e falam português, mas mantêm várias tradições de uma cultura africana antiga, ameaçada de desaparecer pelo êxodo rural e influência cultural, principalmente, pela televisão. A demarcação de terras quilombolas provoca certa polêmica, porque isso às vezes afeta as propriedades rurais.
Basta ir a qualquer grande aglomeração urbana como, por exemplo, o centro da maioria das cidades brasileiras, para se perceber a grande variedade racial presente na população do País.
Já em 2008, o IBGE anunciou que 50,6% da população brasileira se identificam como parda ou negra – pela primeira vez, a maioria não se declara como branca. Em parte, isso pode ser explicado por questões demográficas – a população de menor renda, majoritariamente parda ou negra, tem mais filhos que a classe média e alta. Mas, também é um indício da mudança de percepção racial no Brasil, o que pode significar uma maior abertura para as questões raciais presentes na Nação.