Por que a tentativa de produzir celulares no Texas não deu certo e o que isso revela sobre os desafios da indústria americana?
Em 2013, a Motorola, então sob o comando do Google, lançou uma iniciativa ousada: fabricar seu smartphone carro-chefe, o Moto X, nos Estados Unidos, especificamente em Fort Worth, Texas. A estratégia, liderada pelo ex-CEO Dennis Woodside, buscava atrair consumidores americanos com o apelo do “Fabricado nos EUA” e oferecer personalização estética, algo inédito na competição com gigantes como Apple e Samsung.
No entanto, menos de um ano depois, a fábrica foi fechada, e a produção voltou a ser transferida para países da Ásia e América do Sul. O que deu errado? E quais lições esse fracasso oferece, especialmente em um momento em que o presidente Donald Trump pressiona empresas a fabricarem nos EUA sob ameaça de tarifas?
Conheça os desafios enfrentados pela Motorola, os obstáculos estruturais da manufatura americana e as implicações políticas e econômicas dessa questão, trazendo dados atualizados e perspectivas de especialistas.
O contexto histórico: Motorola e o Moto X no Texas
A decisão da Motorola de montar o Moto X nos EUA foi motivada por um segmento de consumidores que valorizava produtos fabricados localmente. Segundo Dennis Woodside, hoje CEO da Freshworks, em entrevista à CNN Brasil, “Houve um segmento de clientes que disse: ‘Ei, se você monta seus produtos nos Estados Unidos, é mais provável que eu os compre’”. Além disso, a proximidade com o mercado americano permitia maior personalização, como a escolha de cores dos botões e painéis traseiros diretamente pelo site da empresa.
Apesar disso, a iniciativa enfrentou problemas desde o início. Embora a montagem final ocorresse no Texas, componentes cruciais, como baterias e telas, ainda vinham da Ásia, aumentando os custos logísticos. As vendas também decepcionaram: de acordo com a Strategy Analytics, apenas 500 mil unidades foram vendidas no terceiro trimestre de 2013, número insuficiente para justificar a operação, conforme reportado pelo Wall Street Journal na época. Em maio de 2014, a fábrica foi fechada, encerrando a experiência de fabricação em larga escala de smartphones nos EUA.
Os desafios da manufatura nos EUA: Custos, talentos e infraestrutura
1. Custos Elevados e Cadeia de Suprimentos Fragmentada
Produzir nos EUA significava enfrentar custos de mão de obra mais altos em comparação com países como China, Índia e Vietnã. Woodside destacou que “Definitivamente, havia custos mais altos, o que era desafiador. E você está lidando com uma cadeia de suprimentos muito fragmentada”. A dependência de fornecedores asiáticos para componentes essenciais tornava a operação logisticamente complexa e economicamente inviável.
2. Escassez de mão de obra qualificada
Um dos maiores entraves foi encontrar e reter trabalhadores qualificados. Nos EUA, a mão de obra não estava acostumada ao tipo de trabalho manual detalhado exigido na montagem de smartphones, que envolve peças minúsculas e alta precisão. Woodside comparou o processo a montar um “conjunto de Lego superpequeno” e admitiu: “A maioria das pessoas não estava acostumada com esse tipo de trabalho nos EUA. Tivemos que treinar pessoas para esse tipo específico de trabalho”. Além disso, a concorrência com setores como varejo e alimentação dificultava a retenção de funcionários.
3. Infraestrutura e planejamento
Enquanto a China investe em treinamento técnico e planejamento estatal para sustentar sua indústria manufatureira — empregando cerca de 123 milhões de pessoas no setor em 2023, segundo o quinto censo econômico do país —, os EUA enfrentam disparidades regionais em educação profissional. Sujai Shivakumar, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, afirmou à CNN que “A força de trabalho é tão importante quanto a eletricidade e a infraestrutura de transporte para uma estratégia de manufatura. E a China prevê isso e inclui isso em seu planejamento”.
A pressão política de Trump e as tarifas
A experiência da Motorola ganha nova relevância com as políticas do presidente Donald Trump, que tem pressionado empresas como Apple e Samsung a fabricarem nos EUA, ameaçando impor tarifas sobre produtos importados da China. De acordo com a CNN Brasil, novas tarifas sobre eletrônicos montados na China estão previstas para entrar em vigor em 12 de agosto de 2025, caso não haja acordo comercial ou prorrogação entre as duas potências econômicas (VEJA).
Embora a intenção seja estimular a criação de empregos locais, dados recentes mostram que o setor manufatureiro americano perdeu cerca de 11 mil empregos entre junho e julho de 2025, segundo o Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA. Além disso, uma pesquisa do Cato Institute de agosto de 2024 revelou que a maioria dos americanos não deseja trabalhar em fábricas, preferindo outras áreas de atuação.
Lições para o futuro: O que as empresas podem aprender?
Para Dennis Woodside, o fracasso da Motorola no Texas serve como um alerta para empresas que consideram fabricar eletrônicos nos EUA. Ele aconselha: “Entender a natureza do produto que você está fabricando e pensar… ‘Será que vamos precisar treinar completamente a força de trabalho para entender este produto específico?’ Isso é algo que não prevíamos”. Ele também sugere investir em automação e criar uma proposta de valor forte para os funcionários, além de avaliar cuidadosamente a competitividade de preços no mercado global.
Um desafio sistêmico
A tentativa da Motorola de fabricar smartphones nos EUA expôs vulnerabilidades estruturais da indústria americana, como a falta de mão de obra qualificada, altos custos e dependência de cadeias de suprimentos globais. Enquanto países como a China continuam a dominar a manufatura de eletrônicos, os EUA precisam de políticas integradas que combinem incentivos econômicos, treinamento técnico e inovação tecnológica para tornar a produção local viável. A pressão de Donald Trump pode reacender o debate, mas sem soluções de longo prazo, o “Fabricado nos EUA” continuará sendo mais um slogan do que uma realidade. Por Alan.Alex / Painel Político