Marrento e Belinha

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Assunto atual na mídia e nas redes sociais tem sido o recente episódio em que um funcionário público de Manaus/AM retalhou a facão todo o corpo de dois cães da raça pitbull ­– o Marrento e a Belinha, agora, cegos de um olho. O macho foi liberado e se recupera em casa. A fêmea, mais ferida, ainda segue internada em clínica veterinária e, conforme veterinário, precisará de fisioterapia. O acusado de maus-tratos deu depoimentos confusos: ora afirmou que fez brutal ação porque os cães iam atacar sua esposa; ora porque os animais atacaram o cachorro da família. A dona dos pitbulls, que informou que os animais fugiram após o portão eletrônico da casa da família apresentar defeito, relatou a frieza com que o acusado foi até sua casa mandar que “retirasse o corpo de sua cachorra” da residência dele, achando que a cadela havia morrido. E ainda teria afirmado que só não matou o cachorro porque ele fugiu. Conta ainda que Belinha, a mais ferida (busque as fotos chocantes na internet quem tiver estômago), tem sequelas de cinomose, logo, pouco perigo oferece, além de serem ambos os animais dóceis.

Sobre a raça: “Pit Bull é um termo genérico que se refere a um conjunto de raças de cães, incluindo (mas não se limitando) ao American Pit Bull Terrier, o American Staffordshire Terrier e o Staffordshire Bull Terrier, e os cruzamentos entre essas raças. Costuma-se usar o termo “Pit Bull” para designar a raça American Pit Bull Terrier. A origem da raça remonta ao século XIX. Em 1835, o parlamento inglês proibiu o esporte chamado bull baiting, um jogo sádico em que Bulldogs eram usados para atacar touros trazidos à arena (com a discutível intenção de amaciar-lhes a carne). O cão atacava o touro, evitando coices e chifradas, agarrava o seu nariz ou orelha, e segurava-se até que o touro caísse. Os súditos e a realeza da época procuravam diversão, procurando se distraírem da violência e das doenças de seu tempo comparecendo a esses espetáculos sangrentos. Uma vez que o bull baiting foi banido, os criadores voltaram sua atenção para a criação de cães para a briga (ou rinha). Começaram com o bulldog, misturaram algum sangue de terrier, e produziram os Half and Half, Pit Dogs ou Bull and Terriers, cães de pequeno porte e extrema força e dotados de maior agilidade que os bulldogues, um cão que cumpria todas as suas expectativas. Os Bull and Terriers foram criados para agredir outros cães, matar ratos (pragas comuns na época), mostrando bravura, alta tolerância à dor, vontade de lutar até o fim, e afeição ao seu criador. Posteriormente, esses cães migraram para os Estados Unidos como cães de quintal, guarda de fazendas, boiadeiros, cães de luta e caça pesada. Os cães do tipo físico ‘bull and terrier’ ou ‘half and half’ foram reconhecidos pelo UKC em 1898 como American Pit Bull Terriers.”

Como vemos, a origem da raça denota seu traço violento com relação a outros animais, tanto que se recomenda ao criador investir todo cuidado na socialização desde o filhote, a fim de que isto seja evitado. O caso em questão é complexo e quem somos nós para julgar um pai tentando proteger sua família? Mas, claro, sabemos que é corriqueira também violência com a raça apenas por preconceito. Fato é que a maior culpada é a dona dos animais, e estes, inocentes. A discussão em torno do preconceito com a raça é antiga, com vários estudos sobre o assunto, e os defensores de animais e criadores atestando que o problema da raça é o dono, no que os ataques seriam justificados pela forma como as pessoas criam o cachorro, seja em ambiente sem espaço, com privação de comida, água, maus tratos físicos e psicológicos, além de alguns criarem o pitbull, ainda, como cão de briga. Estudos atestam ser o animal dócil e uma das raças que mais gostam de crianças. Em estudo da “American Temperament Test Society (ATTS), instituição que estuda e avalia o temperamento e comportamento de milhares de cães de diversas raças, diante de situações variadas, pessoas diferentes, o seu equilíbrio, capacidade de avaliação e reação, instinto de proteção e agressividade, o American Pit Bull Terrier teve um dos maiores índices de aprovação, estando dentre os mais dóceis e menos propensos a atacarem uma pessoa, ficando inclusive a frente de Collies, Cockers, Pastores Alemães, Golden Retrievers, e Dálmatas”. Surpresos? Pois é: “o sentido de toda cultura é amestrar o animal de rapina ‘homem’, reduzi-lo a um animal manso e civilizado, doméstico” (Nietzsche, 1998, p.33).