Mais rico do Brasil, Flamengo investe menos que rivais em ciência do esporte, perde profissionais e não repõe à altura

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Clube paga salários defasados a integrantes do Departamento de Saúde e Alto Rendimento e trabalho gera insatisfação em treinadores, de Dome a Renato Gaúcho

Bruno Henrique trabalha com o preparador Rafael Winicki Foto: Marcelo Cortes / Flamengo / Marcelo Cortes / Flamengo
Bruno Henrique trabalha com o preparador Rafael Winicki Foto: Marcelo Cortes / Flamengo / Marcelo Cortes / Flamengo
O desgaste físico dos jogadores do Flamengo, atribuído ao calendário caótico do futebol brasileiro, ocorre num momento de menor investimento do clube em ciência do esporte. Se, nos últimos anos, o rubro-negro atraiu jogadores da Europa, por outro lado, viu uma fuga de profissionais de elite da área médica sem a reposição adequada. Desde 2019, a diretoria priorizou contratações de atletas de ponta e não fez um investimento proporcional em preparadores físicos, fisiologistas, fisioterapeutas, nutricionistas e até psicólogos.

A qualidade dos profissionais e as práticas de parte do Departamento de Saúde e Alto Rendimento (Desar) já causam desconforto ao técnico Renato Gaúcho, sobretudo após as lesões de Pedro e Bruno Henrique. A forma como os jogadores são trabalhados pela preparação física é o principal foco de questionamento. O problema já havia sido detectado por Rogério Ceni e Doménec Torrent, que tinham comissões mais numerosas. Já na era Jorge Jesus, que trouxe oito profissionais da Europa, os funcionários do Flamengo se tornaram coadjuvantes, inclusive o chefe do Desar, o médico Márcio Tannure.

Relatos obtidos pelo GLOBO dão conta de que o clube com a maior folha salarial do Brasil tem pago salários defasados em relação às principais equipes de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul desde 2019, início da atual gestão. Mesmo no Rio, há profissionais com funções semelhantes e vencimentos mais altos no Vasco e no Fluminense. Recentemente, o Flamengo tentou levar o preparador físico de um concorrente, mas o salário oferecido não compensava.

Quando Jorge Jesus assumiu e fez a limpa no setor, o trabalho ficou guardado em uma gaveta, simbolicamente. Márcio Sampaio era o responsável pela prevenção de lesões, mas fazia isso de forma diferente, sem rodízio, sem poupar, levando os atletas ao limite. A metodologia levava em conta que os atletas iam estourar em algum momento. Mas se baseava em uma boa recuperação caso isso ocorresse. Houve casos como o de Gerson, que fez muitos jogos seguidos e nunca se machucou.

Jorge Jesus centralizava tudo. Quando ele saiu, o Flamengo tentou retomar a rotina anterior a sua chegada. Mas já sem os mesmos profissionais. Houve, então, a nova reformulação ao fim de 2020. De 2019 para cá, sobraram no clube apenas o fisioterapeuta Mário Peixoto e o preparador físico Roberto Oliveira, o Betinho. As escolhas na reposição foram questionadas internamente, sobretudo por quem acompanhou a transição de filosofia. O próprio Domènec, em reunião no auditório do CT, falou aos novos profissionais: “Eu não pedi vocês aqui, estava muito satisfeito com a comissão anterior, mas vou ter que me adaptar”. O catalão ficou transtornado com as trocas em meio à temporada, sem que tivesse sido consultado.

Nunca foi explicado por que houve uma reformulação no departamento que era visto por todos como o mais competente, fazendo recuperações em tempo recorde. Márcio Tannure voltou, então, a ter a missão de comandar as ações, o CEP se transformou em DESAR, mas os processos esbarraram nas escolhas dos profissionais e em um calendário que, por conta da pandemia, tem exigido mais do que nos anos anteriores. Por Diogo Dantas / O Globo