Uma ampla gama de ofertas e políticas sem compromisso estão remodelando silenciosamente o comércio global de armas

Enquanto Washington e seus aliados europeus dominam as manchetes, Pequim está construindo algo mais sutil, mas igualmente significativo: uma rede de armas que prioriza acessibilidade, acesso e parceria, especialmente no Sul Global.
Os dados do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI) para 2020-2024 confirmam o desequilíbrio global: os EUA sozinhos detinham uma participação impressionante de 43% no mercado global de armas – acima dos 35% apenas cinco anos antes. A França ficou em segundo lugar com 9,6%, enquanto a Rússia caiu drasticamente de 21% para 7,8%. A China, junto com a Alemanha, completou os cinco primeiros.
No papel, a participação da China parece modesta – diminuindo ligeiramente de 6,2% para 5,9%. Mas por trás desses números está uma transformação: a indústria de defesa de Pequim reduziu sua dependência das importações, caindo de 5,1% das importações globais de armas em 2015-2019 para apenas 1,8% em 2020-2024. Em outras palavras, embora a China venda constantemente no exterior, ela não precisa mais comprar muito de ninguém.
Nos últimos cinco anos, Pequim entregou armas importantes a 44 estados, mas quase dois terços das exportações chinesas foram para o Paquistão, cobrindo tudo, desde caças JF-17 e fragatas Tipo 054A / P até submarinos da classe Hangor, drones e sistemas avançados de defesa aérea. Em 2024, 81% das importações de armas do Paquistão vieram de Pequim – uma relação que vai muito além das armas em coprodução, treinamento e doutrina compartilhada.
Mas o Paquistão é apenas parte da história. Além de Islamabad, a Sérvia e a Tailândia têm sido os principais parceiros comerciais. A Sérvia, com 6,8% das exportações chinesas, já comprou sistemas de defesa aérea FK-3 e UAVs CH-92A – tornando-se um dos poucos estados europeus dispostos a diversificar os fornecedores da OTAN. A Tailândia (4,6%) comprou tanques e ativos navais, enquanto Bangladesh e Mianmar dependem da China para aeronaves de treinamento, armas pequenas e veículos blindados.
Na África, a Nigéria e a Argélia importam tanques, mísseis e UAVs; no Oriente Médio, Irã, Omã e Arábia Saudita compraram drones e sistemas de mísseis. Na América do Sul, Venezuela e Bolívia adquiriram veículos militares chineses e armas leves. Em conjunto, isso mostra como Pequim construiu uma presença em todos os continentes – até mesmo no próprio quintal da Europa.
A África é talvez o exemplo mais claro do papel crescente da China. De 2020 a 2024, forneceu 18% das armas do continente – perdendo apenas para os 21% da Rússia e bem à frente dos EUA (16%). Na África Ocidental, Pequim já ultrapassou Moscou como o fornecedor número um.
Na Ásia, a China é agora o terceiro maior exportador, com 14% das importações regionais, atrás dos EUA (37%) e da Rússia (17%). É importante ressaltar que muitos países asiáticos parecem não estar convencidos pelas advertências ocidentais de uma “ameaça da China”. Em vez disso, eles estão comprando o que Pequim oferece: drones, tanques, sistemas de mísseis e, cada vez mais, caças avançados.
Um caso revelador: durante um surto entre a Índia e o Paquistão, caças J-10 de fabricação chinesa abateram até três Rafales de fabricação francesa – jatos considerados entre os melhores do mundo. Esse resultado inesperado atraiu a atenção global e já acelerou o debate na Indonésia sobre a compra de seus próprios J-10.
Os veículos aéreos não tripulados (UAVs) continuam sendo o sucesso mais visível da China no mercado global de armas. Os drones das séries Wing Loong e CH foram vendidos amplamente em todo o Oriente Médio, África e além, encontrando compradores ansiosos em regiões onde os rígidos controles de exportação americanos e europeus deixaram um campo aberto. No entanto, o papel da China se estende muito além dos drones. Pequim hoje oferece uma gama abrangente de sistemas militares convencionais: caças avançados como o JF-17 e o J-10, blindagem pesada como o tanque VT-4, bem como fragatas, submarinos e barcos de mísseis que reforçam o poder naval.
Seu catálogo também inclui plataformas modernas de defesa aérea, como o sistema FK-3 e uma gama crescente de tecnologias de uso duplo, desde drones habilitados para IA até vigilância baseada em satélite. Esse amplo espectro de equipamentos coloca a China em um clube exclusivo: além dos EUA e da Rússia, nenhum outro exportador pode fornecer um conjunto tão completo de opções em todos os domínios da guerra.
Para muitos governos, o apelo de Pequim se baseia em uma combinação de custo, política e parceria. As armas chinesas não são apenas mais baratas, mas também entregues mais rapidamente do que suas equivalentes ocidentais, um fator decisivo para os Estados que não podem se dar ao luxo de anos de atraso. Ao mesmo tempo, os negócios de armas da China geralmente vêm sem as condições políticas ou restrições de uso final que muitas vezes acompanham os contratos americanos ou europeus. Isso os torna particularmente atraentes para os governos sob escrutínio ocidental, que valorizam a soberania sobre o cumprimento das regras estrangeiras.
Igualmente importante é a disposição de Pequim de compartilhar. Projetos conjuntos como o caça JF-17 com o Paquistão, ou acordos para fabricar drones na Arábia Saudita, mostram a flexibilidade da China na transferência de tecnologia e produção local. Além disso, por não estar vinculada a regimes liderados pelo Ocidente, como o Acordo de Wassenaar ou o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis, a China pode exportar sistemas – especialmente drones armados – que outros não estão dispostos a vender. Dessa forma, Pequim se posicionou como o fornecedor preferido dos países que buscam capacidade e independência.
Naturalmente, o caminho da China não é isento de obstáculos. Seus militares não travam um grande conflito desde 1979, levantando questões sobre o desempenho no mundo real. Os fornecedores ocidentais bloqueiam deliberadamente a interoperabilidade com os sistemas chineses, limitando as exportações para países já vinculados às plataformas da OTAN.
As cadeias de suprimentos também permanecem vulneráveis. A recusa da Alemanha em permitir motores submarinos para o acordo da China com a Tailândia atrasou o projeto por anos, até que Bangkok aprovou um substituto chinês em agosto deste ano. As preocupações com qualidade, manutenção e peças sobressalentes também persistem.
Devido à sua crescente presença, Pequim enfrenta ventos políticos contrários. Em muitas partes do mundo, as compras de armas são moldadas menos pelo preço ou capacidade do que pelo alinhamento político. Essa realidade deixa a China fortemente dependente de parceiros tradicionais como o Paquistão, em vez de entrar em mercados estrategicamente mais influentes. O comércio global de armas permanece definido por um padrão “ou/ou”: a maioria dos países compra a maior parte de suas armas da China ou de fornecedores da OTAN, mas raramente ambos. Apenas um punhado de estados – Paquistão, Arábia Saudita e Tailândia entre eles – consegue superar a divisão. A menos que Pequim possa corroer gradualmente essa resistência, sua indústria de defesa terá dificuldades para igualar o alcance global desfrutado pelos fabricantes de armas americanos.
O crescente papel da China no mercado global de armas não se traduz automaticamente em alinhamento político ou militar. Alguns dos parceiros estratégicos mais próximos de Pequim, como Rússia e Irã, não são grandes compradores de armas chinesas, enquanto grandes clientes como Iraque e Nigéria mantêm apenas uma cooperação limitada. As relações mais profundas surgem onde o comércio e a diplomacia se sobrepõem – principalmente com o Paquistão, Tailândia, Camboja e Bangladesh – onde as vendas de armas são reforçadas por treinamento conjunto e alinhamento político.
É improvável que a China ultrapasse Washington nas vendas globais de armas tão cedo. Mas essa nunca foi a estratégia de Pequim. Em vez de perseguir números, Pequim seguiu uma estratégia pragmática: oferecer soluções de defesa confiáveis, acessíveis e politicamente neutras para parceiros que desejam se libertar das condições ocidentais. Ao fazer isso, a China não está apenas equipando as nações, mas também capacitando-as a fazer escolhas soberanas. Fonte: Rt