
Patrícia Brito com exemplar de “Homem-gato, homem-feito” (UICLAP, 2024) – Fotos: arquivo pessoal
Por Patrícia Brito
O universo do jornalismo nos livros literários sempre me fascinou, e continua me fascinando, já muito desencantada com a profissão ou com o estilo de algumas linhas jornalísticas. Ainda assim, na literatura a profissão tem sua magia, tem aquele poder de tornar uma história simples ou importante mais interessante, conseguindo surpreender e prender o leitor.
Ao receber um exemplar de “Homem-gato, homem-feito” (UICLAP, 2024) das mãos do próprio autor, Almir Zarfeg, de imediato parei os três livros que estava lendo e, em seguida, organizei a leitura; um tablet para devidas anotações, a trilha sonora escolhida – instrumental e de suspense – e abri a primeira página e fui mergulhando no enredo.
“Não existem crimes perfeitos, existem investigações malconduzidas.” O prólogo é uma apresentação do que iremos encontrar no decorrer das próximas páginas. Um fato real transformado em ficção.
O personagem William e seu gato Romeu, falante com botas mágicas, resolvem ir atrás do tesouro, ou melhor, tentam desvendar o mistério que ronda o desaparecimento de Ivan Rocha ocorrido em 22 de abril de 1991. Ainda hoje, um crime não explicado e já prescrito.
O roteiro investigativo traçado por William se dá no bairro Bela Vista, no ano de 2024, quando o crime em questão estava completando 33 anos. Quem conhece bem a cidade e lê o livro se sentirá passeando por cada local e empreendimento mencionados na obra. Esta é uma brincadeira do autor, que mistura um fato jornalístico do passado com uma Teixeira de Freitas atual, de modo que o leitor morador possa reconhecer cada passagem e o leitor geral também não ficará perdido, pois cada ponto comercial citado é devidamente apresentado e localizado. Com narrativa em terceira pessoa focada na atualidade, mas motivada pelo crime horrível ocorrido no século XX.
Outro momento contagiante da leitura é a criação do gato, um tipo falante que lembra muito o personagem infantil Garfield. Lembra também o Gato de Botas – animação da Dream Works Animation de 2011 que fez e continua conquistando a criançada.
Afinal, quem foi Ivan Rocha? Àqueles que não acompanharam ou desconhecem o fato, eu explico: um jornalista que desapareceu misteriosamente em Teixeira de Freitas nas vésperas do ano eleitoral de 1992. Um tema instigante e, portanto, prato cheio para o confrade Zarfeg. Recomendo o conhecimento desse fato jornalístico, disponível nos sites noticiosos, para melhor entendimento da obra. Porém, agora me concentro na saga dos personagens e na narrativa que o autor constrói com mestria.
A cada novo dia da semana, os personagens seguem o roteiro traçado, o narrador conta a história de cada empreendimento, fazendo com que o leitor tenha re-conhecimento do ambiente retratado. Às vezes, apenas menciona o número do comércio ou residência, mas, às vezes, vai além e nos brinda com preciosidades narrativas. Por vezes, encontramos algumas pausas do narrador com uma voz de indignação diante de um fato ou história.
“Quanto dinheiro investido, quantas horas de trabalho aplicadas, quantos operários envolvidos, para nada” (p.52)
A fala acima é de Will ao adentrar o elefante branco, um prédio abandonado em plena rua da Pituba. Continuando a leitura, alguns trechos da narrativa nos chamam mais atenção. Por exemplo, o capítulo 5 explica com detalhe o surgimento da rua em questão, como era antes com seus moradores e a transformação por que passou, com a saída de moradores antigos e a resistência de outros em permanecer nesse espaço urbano.
Os autores e confrades teixeirenses Almir Zarfeg e Patrícia Brito
Uma atenção especial é dada às notas de rodapé que alternam entre curiosidades históricas e biografias de moradores importantes. Ainda no capítulo 5, por exemplo, é mencionada a biografia extensa de ACM (que teria sugerido o nome da rua ao então prefeito Temóteo Brito) e sua importância para a Bahia ou até mesmo a inclusão de uma música, um poema ou uma revelação, escolhas que tornam a obra ainda mais interessante.
O livro é dividido por capítulos numerados e, às vezes, por títulos explicativos. Tem uma união com o fato jornalístico, apresenta uma crítica à política, a consequência deste fato específico e tudo isso em conexão com os dois protagonistas.
As coincidências não param por aí. O ex-prefeito e ex-deputado Timóteo Brito foi enterrado exatamente em 22 de abril de 2024, mesmo dia em que Ivan Rocha desapareceu sem deixar vestígios. (p.139)
Quando explicada com mais detalhes, a história fica realmente impressionante, daqueles que nem o universo consegue dar conta.
Os leitores ainda ganham de presente a crônica “Pisar com cuidado”, assinada pela professora doutora Cristhiane Ferreguett a convite de Zarfeg. Muito bem escrita, essa crônica me impactou como um gelo ou uma dor no estômago, ao narrar detalhes do dia do sumiço de Ivan Rocha. Sinceramente, se a porrada no estômago fosse dada por um boxeador como Maguila, eu não teria sentido tanta dor quanto o contato com o livro e a crônica adicionada à obra.
O final é triste tanto para personagens quanto para leitores. Ainda assim, é um livro que merece ser lido e indicado por transformar algo misterioso em uma narrativa repleta de fantasia, proporcionando conhecimento histórico para todos os tipos de leitor, morador ou não da capital do extremo sul da Bahia. Leitura recomendadíssima.
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Patrícia Brito é autora de romances e biografias. Graduada em letras, turismo e ciências contáveis, com MBA em comunicação corporativa, ela ocupa a Cadeira 22 da Academia Teixeirense de Letras (ATL). Fonte: Artigo