
Caros leitores, a pergunta não é se a inteligência artificial será usada para manipular eleições em 2026, mas sim quanto ela já está sendo usada agora, e se teremos condições de conter seus efeitos devastadores sobre a democracia. O avanço da IA generativa, capaz de criar vídeos falsos, vozes idênticas às de políticos reais e textos indistinguíveis dos escritos por humanos, marca o início de uma era sombria na disputa política.
A máquina não apenas reproduz o discurso. Ela o molda, o direciona e o adapta em tempo real ao perfil de cada eleitor. E isso é assustador. Imagine, por exemplo, um eleitor indeciso em Minas Gerais recebendo no WhatsApp um vídeo de um candidato opositor “confessando” envolvimento com milícias.
O vídeo tem a voz, a expressão facial e o tom do político real, mas é inteiramente falso. Em segundos, isso pode viralizar em grupos de família, de igrejas, de comunidades. Quando o TSE ou a campanha legítima desmentirem, o estrago já estará feito. O que antes levava dias para ser desmentido, agora precisa de horas, e o tempo corre a favor da mentira.
A IA também permite a criação de bots hiperrealistas que simulam interações humanas com perfeição. Perfis falsos que discutem política no X (Twitter), Facebook e Telegram, lançando suspeitas, distorcendo dados, amplificando fake news. Trata-se de uma milícia digital automatizada que não dorme, não se cansa, e está programada para conquistar corações e mentes em massa. A personalização algorítmica é outro fator crítico. Com base em dados coletados legal e ilegalmente (inclusive por aplicativos de aparência inofensiva), sabe-se exatamente o que dizer, quando dizer e como dizer para persuadir cada indivíduo. A IA aprende os medos, as angústias e os preconceitos de cada usuário. Serve em bandeja de prata, discursos moldados sob medida. É o microtargeting 2.0: a manipulação perfeita.
O Brasil tem uma Justiça Eleitoral moderna, mas a velocidade do Judiciário é infinitamente menor que a velocidade da desinformação algorítmica. Leis que regem a propaganda política foram pensadas para santinhos de papel, outdoors e debates televisivos. Nenhuma delas dá conta do impacto das deepfakes ou da fabricação de consensos falsos nas redes sociais. Estamos falando de um cenário onde a democracia pode ser sequestrada sem que uma única arma seja disparada. A arma agora é um código. A bala, uma fake news bem produzida. O atirador, uma IA anônima, barata e disponível no submundo digital. A pergunta, portanto, é urgente: o Brasil está se preparando? O Congresso ainda debate o “PL das Fake News” como se fosse apenas uma questão de regulação da internet, enquanto o próximo presidente da República pode ser escolhido por um exército invisível de algoritmos.
Precisamos ir além da legislação. É preciso transparência algorítmica, rastreabilidade das mensagens políticas, fortalecimento da educação midiática e principalmente, compreensão social de que a IA não é neutra. Ela reflete e amplifica interesses que quase sempre, os mais poderosos. Se o eleitor não estiver consciente, informado e protegido, 2026 pode ser o ano em que a democracia brasileira será derrotada. Não por tanques nas ruas, mas por máquinas nos bastidores. *Thales Aguiar é Jornalista, escritor e Especialista em Ciência Política.