Vítima relata agressões físicas, morais e violência sexual diária em delegacia de Santo Antônio do Içá, enquanto amamentava recém-nascido
Uma indígena de 29 anos, pertencente à etnia Kokama, move uma ação judicial contra o estado do Amazonas após sofrer uma série de abusos durante nove meses e 17 dias em uma cela mista na delegacia de Santo Antônio do Içá, a 880 quilômetros de Manaus. Presa em novembro de 2022, quando seu filho tinha apenas 21 dias de vida, a mulher alega ter sido submetida a agressões físicas, morais e estupros diários perpetrados por policiais militares e um guarda municipal.
A denúncia, revelada pelo portal Sumaúma na última sexta-feira (18), expõe um caso grave de violação de direitos humanos e levanta questionamentos sobre as condições carcerárias e a conduta de agentes de segurança no interior do Amazonas.
Uma prisão marcada por violência
A vítima, que não teve a identidade revelada, foi detida e colocada em uma cela junto a presos homens, apesar de estar amamentando um bebê recém-nascido. Durante o período de detenção, ela relata que os abusos eram constantes. Exames periciais confirmaram marcas em seu corpo compatíveis com as agressões descritas, reforçando a gravidade das denúncias. A indígena permaneceu na delegacia até agosto de 2023, quando foi transferida para o Centro de Detenção Provisória Feminino de Manaus, onde cumpre pena atualmente.
O processo movido contra o estado do Amazonas pede uma indenização de R$ 500 mil por danos materiais e morais, considerando o impacto devastador das violências sofridas. A ação destaca não apenas os abusos praticados pelos agentes, mas também a negligência do sistema penitenciário em garantir a segurança e a dignidade da detenta, especialmente em sua condição de mãe em período de amamentação.
Silêncio das autoridades
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Amazonas foi procurada pelo UOL para esclarecimentos sobre o caso, mas não respondeu aos questionamentos. A falta de posicionamento oficial da SSP agrava a percepção de omissão por parte das autoridades estaduais, enquanto a sociedade civil e organizações de direitos humanos cobram investigações rigorosas e punição aos responsáveis.
O caso ganhou repercussão nas redes sociais, com postagens no X expressando indignação e exigindo justiça. Usuários questionaram a ausência de figuras públicas que frequentemente defendem pautas de direitos humanos, como a ex-ministra Damares Alves, e criticaram a violência policial descrita na denúncia.
O relato da indígena expõe um problema sistêmico, em que a vulnerabilidade de mulheres, especialmente indígenas, é agravada pela precariedade do sistema carcerário e pela impunidade de agentes públicos.
Contexto de vulnerabilidade
A situação da indígena reflete um cenário mais amplo de desafios enfrentados por povos originários no Brasil, especialmente em regiões remotas como o Amazonas. A falta de infraestrutura adequada nas delegacias do interior, aliada à ausência de políticas públicas eficazes para proteger mulheres em situação de prisão, contribui para casos como este.
A detenção em celas mistas, prática que contraria normas de direitos humanos, expõe detentas a riscos extremos, como os relatados pela vítima.A denúncia também reacende o debate sobre a violência de gênero e o racismo estrutural no sistema de justiça criminal. A indígena, pertencente à etnia Kokama, enfrentou não apenas a violência sexual, mas também a discriminação e a desumanização em um ambiente que deveria garantir sua segurança. Organizações de defesa dos direitos indígenas, como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), podem desempenhar um papel crucial na pressão por justiça e na implementação de medidas para prevenir novos casos.
Um chamado por justiça
O caso da indígena Kokama é um alerta para a necessidade de reformas urgentes no sistema penitenciário brasileiro, especialmente em relação à proteção de mulheres e povos indígenas. A ação judicial em curso pode representar um marco na luta contra a impunidade e a violência institucional, mas depende de uma resposta efetiva do poder público e da sociedade para que casos semelhantes não se repitam.Enquanto a vítima segue em busca de reparação e justiça, a sociedade civil e a imprensa mantêm a pressão por respostas. A história, marcada por dor e resistência, reforça a importância de dar voz às vítimas de violações de direitos humanos e de cobrar accountability das instituições responsáveis. Por Alan.Alex / Painel Político
Fonte: UOL Notícias, coluna de Carlos Madeiro, publicada em 22/07/2025