Para pesquisador, é preciso enfrentar os problemas do jornalismo para fortalecê-lo, cuidando para não pactuar com o projeto de dizimação da imprensa
Para criticar a imprensa, o professor afirmou que o primeiro ponto a ser abordado é a regulação dos meios de comunicação: “Não ter uma imprensa regulada é um dos pontos mais fracos da nossa democracia”.
Ele acredita que há uma incompreensão muito grande sobre a regulação, “acham que é censura ou estatismo, e não é nenhum dos dois”. “Ao contrário, marcos regulatórios democráticos impedem a censura, a censura privada”, disse. O professor citou países como Alemanha, França, Reino Unido e mesmo os EUA que já o fizeram.
Ao não haver uma regulação, os grandes grupos de comunicação contribuem para incitar a população, seja em direção ao ódio ou à indiferença: “Na cobertura da eleição de 2018, dava-se a impressão de que Bolsonaro era um candidato normal, que não era contra a democracia. Eu não digo que era preciso, então, uma cobertura opinativa, mas faltou informação, de mostrar inclusive o que ele dizia. Acredito que a cobertura poderia ser crítica objetivamente, mostrando o fato, sem opiniões, de que ele não era um candidato normal”, exemplificou Bucci.
Para ele, sobretudo em uma democracia que nasce da rejeição à tortura, ditadura e censura – temendo fortemente este último -, a “imprensa não deveria ter tratado como normal um candidato que faz apologia à tortura, isso foi um erro de cobertura”.
Outro “erro de cobertura” teria sido, por exemplo, o da grande mídia atacando intensamente o ex-presidente Lula, tratando-o como um criminoso antes mesmo de que fosse julgado: “Eu não gosto. É de mau gosto, desconectado do mundo dos fatos? Posso dizer que sim, mas preciso defender o direito de cada veículo de fazer o que quiser. Se quero questionar os procedimentos, o projeto editorial e o lugar da imprensa, como quero, não posso questionar a liberdade de opinião”.
Segundo o jornalista, a imprensa pode até contribuir para um sentimento já existente entre as pessoas, mas, por si só, não causa um clima de ódio em massa, “ela não tem esse poder, ainda bem”. Ele reconheceu, contudo, que o jornalismo não deveria nem se quer alimentar esses comportamentos.
“Mas não me preocupa o partidarismo, me preocupa mais se o público tem acesso a outras plataformas, outros conteúdos e se esse acesso está assegurado para que o cidadão, no final, forme livremente sua opinião”, ressaltou.
Não fere a lei, mas fere a ética?
Durante a entrevista, Bucci ponderou sobre o papel da grande imprensa a partir da cobertura do Mensalão, além da possível subordinação de veículos às autoridades, que são as instâncias que realmente pautam as formas de incitação à população pela mídia.
“A cobertura do Mensalão, com todos os problemas e acertos, não foi desproporcional. O Lula ganhou a eleição. Já a Lava-Jato e a própria prisão do ex-presidente Lula, que ocorreu em bases frágeis do ponto de vista judicial, teve consequências de maior magnitude e precisamos refletir sobre a qualidade e a fragilidade da imprensa nesse episódio”, refletiu.

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Bucci reiterou que defender a mídia se faz urgente no momento atual do Brasil
Ele explicou que, do ponto de vista acadêmico, o termo dado ao trabalho realizado durante o período de grandes escândalos, começando no Mensalão, é “jornalismo sobre investigação, não investigativo, porque era a apuração de algo que estava ocorrendo dentro de organismos ou repartições policiais, sem o jornalista como sujeito condutor da investigação”.
Essa questão não se configura, entretanto, como um conluio da grande imprensa que buscou perseguir o Partido dos Trabalhadores, principalmente, como acusam vários especialistas, na opinião de Bucci.
“Acho que os órgãos jornalísticos cometeram o erro de confiar talvez excessivamente na autoridade do Judiciário ou da investigação, como se o que eles transmitissem para os jornalistas fosse o retrato dos fatos, o que não era verdade e nem nunca é verdade. Durante períodos como esses, precisamos medir as coisas, investigar, fazer uma leitura criteriosa para evitar julgamentos apressados e que não contribuem para o aperfeiçoamento da imprensa”, defendeu.
O professor foi mais além, dizendo que houve um deslumbramento da imprensa com a Lava-Jato, por exemplo, e que, muitas vezes, a falta da criticidade necessária vinha da necessidade de os jornalistas manterem boas relações com suas fontes, “se não ficavam sem a notícia ou ela era passada para o concorrente”.
Mais imprensa
“Estamos em um período em que temos que fortalecer a imprensa. Digo o conjunto, não só nos grandes veículos ou grandes meios, TV e internet, falo do conjunto dos órgãos e profissionais que apuram e discutem os fatos em termos racionais, compreensíveis, responsáveis. Para isso, temos que discutir os processos e considerar outras variáveis que afetam a cobertura jornalística”, argumentou.
Bucci reiterou que defender a mídia se faz urgente no momento atual, em que o Brasil vive um projeto político que tem o objetivo de acabar com o jornalismo.
“Isso não só não interessa ao jornalismo, mas não interessa aos cidadãos. O que não implica fechar os olhos para os erros da imprensa, mas devemos fazer a crítica de modo a construir mais liberdade, mais qualidade no trabalho investigativo e repelindo um movimento que trabalha para minar a confiança da população nos órgãos de imprensa”, alertou.
Para o jornalista, debater sobre a imprensa e criticá-la, com embasamento, é o primeiro passo: “Uma democracia é mais forte quanto mais poderoso é o debate público, o mesmo com a imprensa. As partes não se tratam como inimigos, mas como adversários”.
O que não quer dizer, porém, lutar pela neutralidade da mídia. Bucci disse não acreditar em neutralidade. Ele falou, em vez disso, em objetividade. Isto é, “um compartilhamento de ponto de vistas” para que os leitores reconheçam nas notícias um registro digno de ser levado a sério, não uma propaganda.
“Quem diz que a imprensa é propaganda hoje no Brasil é o fascismo. Um repórter da CNN precisou deixar um protesto pró-governo sob escolta policial porque uma multidão o insultava, o ofendia e gritava ‘CNN lixo’. Isso é a dizimação da imprensa, é o que fazia o nazismo, que criou uma campanha para dizer que toda a imprensa é mentirosa. Contra isso temos que lutar”, ressaltou. Por Camila Alvarenga / Madri (Espanha) Opera Mundi