Hermenêutica dissimulada

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Qual seria a melhor definição para o Brasil? Seria o nosso país uma catarse grega?; o conto de fadas, “Alice nos país das maravilhas”?; o desenho “A corrida maluca”, com direito a Kid vigarista e companhia limitada?; um filme épico “Ali Babá e os quarenta ladrões”; ou algo mais infantil como os desenhos do Pica-pau, aquele mesmo que só pensa em levar vantagem em tudo. Definir o Brasil é uma missão impossível, já diria o lendário Macgyver, personagem de uma série televisa famosa dos anos 80.
Mas talvez a melhor e mais compreensível definição do Brasil foi lançada e cantada pela Banda Legião Urbana em 1987 e por ser tão atual pode ser repetida até hoje através da canção “Que país é esse”. Segue um trecho: “Nas favelas, no Senado/ Sujeira pra todo lado/ Ninguém respeita a Constituição/ Mas todos acreditam no futuro da nação”.
Na semana que passou vivemos mais uma página da nossa “tragédia grega”, escrita pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Literalmente continuamos mantendo o slogan da nossa bandeira “Ordem e Progresso”. Ordem na manutenção do nosso status quo político, em que os interesses das minorias que comandam continuam prevalecendo e o Progresso da impunidade, da injustiça, do escárnio, da estupidez humana em ver que milhares de pessoas perdem sua dignidade justamente por causa da insana e desenfreada corrupção que insiste em se perpetuar no nosso gigante e ainda adormecido Brasil.
Mais uma vez está provado que o nosso sistema está falido. Como podem os transgressores escolherem os seus julgadores? No jogo do toma lá dá cá, desculpe-me a expressão, dá nojo viver o que está acontecendo no nosso país e o pior é conviver com a sensação de impotência.
A nossa democracia literalmente não é representativa. A crise da representatividade enraizou-se nos poderes da nação. Usa-se o povo nas urnas, para ratificar com ares do sufrágio universal o mais terrível dos nossos males, como diria o filósofo Hobbes, o nosso lado animal, que é egoísta, mesquinho, sem compaixão pelo sofrimento alheio.
Dizem que a nossa dita justiça é cega, surda e muda. Com raríssimas exceções Brasil afora, na verdade o que vemos é uma justiça dissimulada. A vulga hermenêutica, que é a interpretação dos textos sendo eles de qualquer natureza, está sendo aplicada, pelo visto, da forma mais deslavada e dissimulada para continuar como já disse anteriormente, mas faço questão de reforçar, perpetuando esta ciranda arcaica e corrupta em que está mergulhado o nosso Brasil.
Nossa geração está perdendo a oportunidade de passar o país a limpo, de dar uma nova direção à nossa nação, de mudar a engrenagem, de barrar oportunistas, de brecar desvios de conduta. Se as palavras comovem e os exemplos arrastam, com os exemplos atuais o que podemos esperar do futuro deste país? Pelo visto a canção da Legião vai continuar tendo razão!
Walber Gonçalves de Souza é professor e membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni.