Golpe do Boi no Uruguai: como US$ 300 milhões evaporaram e abalaram a pecuária

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Fraude em investimentos de gado deixa 6 mil poupadores no prejuízo e expõe fragilidades no setor

Um escândalo financeiro de proporções históricas abala o Uruguai, conhecido mundialmente por sua carne bovina e tradição pecuarista. Cerca de 6 mil investidores, em sua maioria uruguaios de classe média, perderam aproximadamente US$ 300 milhões em um suposto esquema fraudulento envolvendo investimentos em gado. O caso, apelidado de “golpe do boi”, envolve três empresas – Conexion Ganadera, Republica Ganadera e Grupo Larrarte – que captaram cerca de US$ 500 milhões ao longo de 25 anos, prometendo lucros atraentes com a pecuária. Agora, as companhias estão em recuperação judicial ou reestruturação, deixando um rastro de prejuízo e desconfiança.

Segundo a Bloomberg Línea, o esquema se aproveitou da imagem de solidez da pecuária uruguaia, um setor que responde por cerca de 10% do PIB do país em 2023, conforme dados do Banco Mundial. As empresas ofereciam retornos em dólares, alguns superiores a 10% ao ano, atraindo famílias inteiras e círculos de amigos em um país onde o boca a boca ainda é uma poderosa ferramenta de convencimento. “Esta é uma crise social. Há pessoas que colocaram todas as suas economias nessas empresas”, afirmou Maria Laura Capalbo, sócia do escritório Bragard e presidente da associação nacional de advogados do Uruguai, em entrevista à Bloomberg.

O colapso do esquema

A derrocada começou a se desenhar com a seca de 2022/23, que custou ao setor agrícola uruguaio mais de US$ 1,7 bilhão, segundo estimativas oficiais. O aumento das taxas de juros globais pós-pandemia também encareceu o modelo de negócios das empresas, que alugavam terras de pastagem a preços elevados.

A Conexion Ganadera, fundada em 1999 pelas famílias Carrasco e Basso, foi a principal envolvida. Inicialmente gerindo poucos milhares de cabeças de gado, a empresa chegou a administrar 125 mil animais nos últimos anos, mas um relatório de janeiro revelou que devia US$ 384 milhões aos seus 4,2 mil investidores, enquanto possuía apenas US$ 158 milhões em ativos. “Provavelmente começou como um projeto viável, mas virou um esquema Ponzi”, disse o contador externo Ricardo Giovio em um webcast com investidores.

Grupo Larrarte foi o primeiro a colapsar, entrando em recuperação judicial em outubro de 2024 após um documentário da TV uruguaia expor depoimentos de investidores lesados. Segundo o jornal El País, a empresa apresenta um déficit de US$ 12,3 milhões entre ativos e passivos. Já a Republica Ganadera, com 1,45 mil investidores e perdas de US$ 70 milhões, buscou proteção contra credores em novembro, atribuindo sua crise à seca e ao pânico gerado pelo caso Larrarte.

Jairo Larrarte, fundador do grupo homônimo, informou por e-mail que planeja apresentar um plano de reestruturação em breve, mas os advogados dos acusados evitam comentários sobre as alegações de fraude.

Lições do passado e impactos no presente

O caso uruguaio ecoa fraudes históricas no Brasil, como o escândalo das Fazendas Reunidas Boi Gordo, que, nos anos 1990, enganou 30 mil investidores com promessas de lucros na engorda de gado, deixando um prejuízo estimado em R$ 6 bilhões, segundo o UOL Economia. Assim como no Brasil, o “golpe do boi” uruguaio revela a vulnerabilidade de investidores atraídos por setores tradicionais e retornos garantidos. No Uruguai, a pecuária, que gere quase 12 milhões de cabeças de gado, segundo o Ministério da Agricultura local, era vista como um porto seguro após crises bancárias passadas, o que amplificou a adesão ao esquema.

A crise já tem reflexos no mercado de trabalho, com demissões em empresas ligadas aos fundos, conforme reportado pelo GaúchaZH. Apesar disso, fontes do setor pecuário uruguaio ouvidas pelo jornal brasileiro afirmam que o impacto na cadeia produtiva não será significativo, já que a maioria dos investidores não era do ramo agropecuário. Ainda assim, o escândalo alimenta pedidos por maior regulamentação. Desde 2018, o Banco Central do Uruguai abriu 11 inquéritos sobre investimentos em gado e emitiu alertas sobre a falta de cobertura regulatória para contratos do tipo, mas a resposta parece ter chegado tarde demais.

Um futuro incerto para os lesados

Para os investidores, o trauma é palpável. “Temos que olhar para o futuro. Não podemos ficar doentes, mesmo que eles tenham levado grande parte do nosso dinheiro”, disse um investidor ouvido pela Bloomberg, que organiza um grupo de vítimas. Enquanto os processos judiciais avançam, a confiança no setor pecuarista uruguaio, um pilar da identidade nacional, está abalada. O caso serve como alerta para a América Latina, onde a combinação de setores tradicionais e promessas de lucros rápidos continua a seduzir – e, por vezes, a enganar – milhares de poupadores.

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