“Cada instrumento que eu produzo tem um pouco da minha alma, é como se desse vida a madeira ao fazer o som”
O Luthier Gilberto Guimarães, morador de Teixeira de Freitas, será o primeiro brasileiro a dar uma palestra no 4º Fórum Internacional sobre construção de instrumentos em Assunção, que acontecerá entre os dias 26 a 28 de outubro. Gilberto é, além de Luthier, advogado e contador, e falou com o Jornal Alerta sobre sua trajetória na arte de construção de instrumentos.
Ele disse que, quando chegou a Teixeira, “um dos primeiros empregos que tive foi trabalhando em serraria, e, como a economia teixeirense se baseava em torno da serraria, eu comecei a ver as madeiras saindo da serra e achava muito interessante, muitas madeiras bonitas”. Pelo fato do pai dele ser marceneiro, ele resolveu aprender a mexer com a madeira e despertou a vontade de fazer móveis diferentes, foi assim que começou a aprender a fazer instrumentos musicais, de forma autodidata.
O violino foi o primeiro instrumento que ele aprendeu a fazer, mas, atualmente, ele trabalha apenas com o violão, sendo que faz mais de trinta anos que ele não mexe com instrumentos de arco. Ele também recebe encomendas de outros instrumentos de pesquisa, como os instrumentos do século XII. Mas Gilberto considera o violão seu grande ‘carro chefe’, pois o fez reconhecido internacionalmente.
O primeiro passo para ele chegar a Luthier foi quando percebeu a beleza da madeira e foi aperfeiçoando o trabalho do marceneiro, pois o instrumento musical não deixa de ser um móvel, porém é um móvel que canta, que produz som. Quando ele conheceu o violino, começou a pesquisar sobre como produzir esse instrumento, foi a vários países e, em São Paulo, conseguiu um contato com um húngaro, que deu lhe dicas e tirou dúvidas sobre a construção do violino. Naquela época, não havia a disponibilidade de textos e de pesquisas que tem hoje em dia. Ele conta que, na ocasião, o húngaro viu nele um grande Luthier brasileiro.
A luthieria exige do profissional um sentimento acústico, pois o Luthier tem que ter sensibilidade, “para fazer um móvel bonito você precisa apenas de medidas, de conhecimento, a luteria depende de todo o conhecimento aperfeiçoado na função e também do sentimento”, falou Gilberto, que tem como marca registrada fazer um instrumento que imita o que ele sente. Em 2004, o Alerta publicou um texto de Álvaro Henrique que falava o trabalho de Gilberto, e o Luthier lembra emocionado quando Álvaro disse que sempre sentia a alma de Gilberto nos instrumentos que ele produzia. “Cada instrumento que eu produzo tem um pouco da minha alma, é como se desse vida a madeira ao fazer o som”, confessou.
Desafios de um Luthier no Brasil
Na década de 80, em São Paulo, ele sentiu dificuldades em adentrar em uma escola de luthieria, por conta do preconceito sobre sua origem geográfica. Muita coisa ele teve que aprender sozinho, por conta dessas situações. Apesar disso, suas passagens pelo mundo foram bem sucedidas, inclusive em Angola, onde ele pode ensinar outras pessoas a profissão. Para encontrar outros profissionais da construção de instrumentos, ele viajou para o Paraguai, Argentina, Uruguai, Chile, Portugal, Itália, Suíça e Alemanha. Até chegar a conclusão que precisava dar a sua identidade aos instrumentos que construía.
Eduardo Alan Moreno Moura, seu amigo, foi quem incentivou Gilberto a se encontrar na construção dos instrumentos, dando sua identidade a eles. E assim, o Luthier começou a pesquisar sobre a produção de sons. Atualmente, ele está produzindo os sons com o tampo duplo, um novo projeto que ele tem encabeçado na região.
Gilberto confidencia sobre os desafios de um Luthier no Brasil. Em nosso país, não há madeira para as tampas harmônicas, que são as madeiras que ficam na parte da frente do instrumento. Mas, para o restante do instrumento, o Brasil tem as melhores madeiras do mundo. A luthieria não tem reconhecimento que deveria ter no Brasil, inclusive já foi realizado reuniões para os governos liberarem madeira apreendida para o trabalho da luthieria. No país, ainda há a dificuldade para se encontrar ferramentas e materiais para uma luthieria refinada, por isso muitos vão buscar fora.
4º Fórum Internacional
Ele diz que “a luthieria é uma profissão de quem quer ficar na retaguarda, de alguém que faz a arte sem saber se ela vai ou não torná-lo estrela, ou importante”. Antes de tudo, é uma maneira de ver, de pensar. “É uma arte muito profunda, requer sentimento, requer dedicação, requer vida”, diz o Luthier. O trabalho com os instrumentos o fez ser reconhecido onde quer que ele chegasse, algo que lhe causa alegria e orgulho pela profissão, além disso, ele também se diz feliz pelas pessoas que o buscou durante esses anos de trabalho, dos amigos que fez e dos lugares do mundo que ele conheceu. Hoje ele se considera um Luthier completo: um profissional que consegue ter uma ideia de instrumento e de som e consegue fabricar isso, atingindo o que ele propõe a fazer.
No 4º Fórum Internacional, ele fará uma reflexão sobre o tema: “Quem trabalha com amor não tem como ser ruim”. Em sua palestra, ele falará sobre novas técnicas de construção, segredos da construção e sobre instrumentos brasileiros. Essas abordagens aumenta sua responsabilidade, pois falará para uma plateia de grandes profissionais e estudantes de metrópoles de todo o mundo, sendo que ele é o primeiro brasileiro dar uma palestra nesse evento. “Isso representa pra mim uma confirmação de que eu estou no caminho certo, eu estou acreditando no que estou fazendo e estou fazendo com minha alma”, disse.
Gilberto nunca buscou fama. Por isso, não se incomoda pelo fato de não ser reconhecido na cidade onde mora, mas ser reconhecido em outros lugares do mundo: “isso é fruto da nossa cultura, a gente não valoriza o próximo, pois valorizar alguém que está perto parece que diminui, isso representa e prova o quanto somos pobres culturalmente”, enfatizou. Em outros lugares do mundo, como na França, as pessoas tem a cultura de comprar apenas instrumentos de quem é de lá, preferencialmente, da sua cidade, o que não acontece no Brasil, relatou Gilberto. Por Redação do Jornal Alerta.