Por Henrique Matthiesen*
Em 24 de agosto de 1954, o Brasil foi sacudido por um gesto extremo que transformou para sempre a história nacional: Getúlio Dornelles Vargas, presidente da República, no auge de uma crise política alimentada por interesses externos e internos contrários ao povo, decidiu sair da vida para entrar na História. Seu suicídio, no Palácio do Catete, não foi um ato de fraqueza, mas sim a derradeira forma de resistência de um estadista que compreendeu, como nenhum outro, a luta de classes e a necessidade de arbitrá-la em favor do trabalhador e da soberania nacional.
A Carta Testamento, documento de rara grandeza moral, ecoa ainda hoje como um grito de independência e dignidade. Vargas denunciou, com clareza profética, a ofensiva dos grupos econômicos internacionais aliados a elites locais dispostas a manter o país em condição de subserviência. Denunciou a espoliação do trabalhador, a sanha contra as riquezas nacionais e a tentativa permanente de silenciar a voz de quem ousasse defender o povo. Ao oferecer o próprio sangue como “holocausto” pela liberdade e pela justiça social, ele transformou sua morte em bandeira de luta imortal.
Vargas não foi apenas um presidente. Foi o divisor de águas da história brasileira. Antes dele, tínhamos um país agrícola, oligárquico, preso às amarras do latifúndio e subordinado ao capital estrangeiro. Depois dele, o Brasil passou a se reconhecer como uma Nação em busca de autonomia, capaz de industrializar-se, de organizar seus trabalhadores e de estabelecer um pacto social. Foi Vargas quem, pela primeira vez, implantou um conjunto coerente de direitos sociais, como a regulamentação da jornada de oito horas, o voto secreto, a proteção ao trabalho feminino, a criação da Carteira de Trabalho, o salário mínimo e, finalmente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Foi ele também quem reconheceu o valor político da mulher ao garantir-lhe o direito de votar e ser votada. Cada uma dessas conquistas era, em sua essência, um ato de arbitragem na luta de classes, uma escolha consciente de colocar o Estado ao lado dos trabalhadores.
Mas sua visão não se limitou à justiça social. Vargas compreendeu que sem soberania nacional não haveria liberdade verdadeira. Criou instituições e empresas estratégicas — a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce, a Fábrica Nacional de Motores, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, a Petrobras e a Eletrobras. Cada uma delas representava um tijolo na construção de um Brasil independente, capaz de controlar seus recursos, proteger seu território e projetar-se no cenário internacional. Ao erguer esses pilares, Vargas não apenas criou empregos e renda; construiu a base de um projeto de emancipação nacional que permanece como horizonte ainda hoje.
Essa combinação de justiça social, soberania política e desenvolvimento econômico fez de Getúlio Vargas o maior estadista brasileiro. Ele entendeu a luta de classes, mas não a reduziu ao confronto cego: soube conduzi-la como árbitro, garantindo que o Estado fosse instrumento de equilíbrio e não de opressão. Ele compreendeu a importância da soberania como condição para que o povo não fosse mero espectador, mas protagonista do seu destino. E projetou o desenvolvimento econômico não como privilégio de uma elite, mas como caminho para a elevação de toda a Nação.
Seu gesto final, longe de encerrar sua obra, imortalizou-a. Ao declarar que seu sangue seria “chama imortal na consciência” do povo, Vargas selou um pacto com as gerações futuras. O Brasil que hoje ainda luta por justiça social, por soberania frente às pressões externas, carrega a marca indelével de sua liderança. Sua morte, em vez de derrota, foi vitória: transformou-o em mito fundador de um Brasil moderno, consciente de que não há liberdade sem trabalho digno, nem desenvolvimento sem soberania.
Setenta e um anos depois, Getúlio permanece como farol. Diante de novas pressões globais, de tentativas de entregar nossas riquezas, de ataques aos direitos trabalhistas, sua Carta Testamento ecoa com impressionante atualidade. É como se falasse diretamente ao presente: “Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”. A cada tentativa de desmontar a herança social e nacional construída por ele, cabe lembrar que Vargas nos ensinou a resistir.
O Brasil se divide entre antes e depois de Getúlio Vargas. Antes, a dependência, o atraso, a submissão. Depois, a luta organizada, a esperança de soberania e o caminho para a justiça social. Vargas saiu da vida para entrar na História, e nela permanece, não apenas como personagem, mas como fundador de um projeto de Nação. Seu sangue ainda pulsa na consciência popular, lembrando-nos de que a pátria não se vende, os direitos não se entregam e o futuro não se constrói sem coragem.
Getúlio Vargas é, e continuará sendo, o estadista maior do Brasil — aquele que compreendeu o povo, que desafiou os poderosos, que construiu a soberania e que entregou a própria vida para que nós pudéssemos viver com dignidade.
*Henrique Matthiesen é Formado em Direito e Pós Graduado em Sociologia