Nova mistura com 30% de etanol promete reduzir a dependência externa, estimular o setor sucroenergético e contribuir para a descarbonização do transporte

247 – A partir de 1º de agosto, entra em vigor no Brasil a mistura obrigatória de 30% de etanol anidro à gasolina, conhecida como E30. A iniciativa integra o escopo da Lei do Combustível do Futuro e tem como objetivos centrais reduzir a dependência externa de derivados do petróleo, estimular o setor sucroenergético e contribuir para a descarbonização do transporte.
De acordo com reportagem do jornal O Globo, a adoção do E30 deve representar uma economia significativa nas importações brasileiras. Estimativas do Ministério de Minas e Energia (MME) apontam para a substituição de até 1,36 bilhão de litros de gasolina A por ano, dos quais cerca de 760 milhões de litros deixarão de ser importados. Com isso, o Brasil pode se tornar exportador líquido de gasolina, com excedente estimado em 565 milhões de litros.
Impacto imediato nas importações e nos preços – Segundo a consultoria Argus, com base em dados fornecidos por importadores, a redução nas compras externas pode chegar a 125 mil m³ mensais já nos primeiros meses de vigência da nova regra. Apenas no primeiro semestre de 2025, o Brasil importou cerca de 1,04 milhão de m³ de gasolina, uma queda de 12% em comparação ao mesmo período de 2024, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
“A partir de agosto já devemos observar uma diminuição dos volumes, pois importadores se afastaram das negociações ao longo de julho. Além da menor necessidade, a atual janela de arbitragem também está pouco favorável para a importação”, explicou Gabrielle Moreira, especialista em combustíveis da Argus.
Em nota oficial, o MME destacou os impactos positivos da medida: “além de reduzir a dependência do Brasil em relação à gasolina importada, a medida deve baixar o preço da gasolina para o consumidor e gerar impactos positivos sobre a inflação. Também estimula o consumo de etanol, reduz as emissões do setor de transporte e amplia investimentos na cadeia produtiva da cana-de-açúcar e do etanol”.
Setor automotivo aprova a mudança – A nova mistura só foi autorizada após uma série de testes coordenados pelo MME e conduzidos pelo Instituto Mauá de Tecnologia. A viabilidade técnica foi comprovada tanto para veículos leves quanto para motocicletas movidas exclusivamente a gasolina.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) participou do processo de avaliação e considerou os resultados satisfatórios. Segundo Gilberto Martins, diretor de Assuntos Regulatórios da entidade, “a adoção do E30 é considerada uma medida relevante no processo de transição energética. O etanol já é uma solução consolidada no Brasil, com reconhecidos benefícios ambientais, especialmente na redução das emissões de CO₂ ao longo de seu ciclo produtivo”.
Martins também destacou a vantagem tecnológica do país: “o Brasil já dispõe de infraestrutura de distribuição e reabastecimento, e a tecnologia flex — capaz de usar 100% de etanol — é uma aliada nesse processo”.
Sobre uma possível elevação para 35% de mistura, como autorizado por lei, a Anfavea defende que novos testes sejam realizados para avaliar a segurança e a compatibilidade com os motores em uso e em desenvolvimento.
Produção nacional de etanol deve atender à nova demanda – O impacto positivo no setor produtivo também é reconhecido por representantes da bioenergia. Segundo Hugo Cagno Filho, presidente da União Nacional da Bioenergia (UDOP), o setor está preparado para suprir o aumento da demanda: “grande parte da demanda por etanol anidro, decorrente do aumento na mistura, será suprida pela pujante indústria do etanol de milho, cuja produção cresce ano após ano. Além disso, as próprias usinas de etanol de cana-de-açúcar têm margem para ampliar a produção de anidro sem necessidade de expandir os canaviais”.
Ainda assim, Cagno pondera que é cedo para afirmar que o E30 vá estimular novos investimentos nas usinas. A atual capacidade é considerada suficiente para atender ao aumento de até 900 milhões de litros nesta safra.
Possível alta no etanol hidratado e cenário climático adverso – Apesar da expectativa positiva, o mercado deve enfrentar instabilidades no curto prazo. Gabrielle Moreira, da Argus, alerta para os possíveis efeitos da readequação da produção: “a maior necessidade de matéria-prima destinada ao anidro tende a elevar os preços do etanol hidratado. Isso ocorre em uma safra atrasada, marcada por menor quantidade de cana bisada e chuvas que prejudicaram a moagem entre abril e maio”.
Luciano Rodrigues, diretor de inteligência setorial da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), reforçou a prontidão do setor: “o setor já tem capacidade instalada para atender esse volume, considerando a produção de etanol de cana e de milho, além de novas unidades em construção e as previsões de ampliações futuras. Somente a expansão do etanol de milho já compensaria esse aumento inicial da demanda”.
A adoção do E30 marca mais um passo da política energética brasileira em direção à descarbonização e à autossuficiência, fortalecendo a cadeia do etanol e reduzindo pressões externas sobre o mercado de combustíveis.