Gás e energia

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Ainda que por um curto tempo, estive à frente do Programa Nacional de Pesquisa de Energia Alternativa para a Agricultura, o PNP-ENERGIA, da Embrapa. Na oportunidade, robusteci meus conhecimentos no assunto com pesquisa, leitura e proveitosas conversas com gente do ramo. Muito me ajudou nesse mister o saudoso amigo, Prof. Bautista Vidal. Não cheguei às equações de produção calórica, resultantes da oxidação de combustíveis. Mas consegui enxergar razoavelmente bem os meandros da política energética brasileira, especialmente nossa confusa matriz energética.
Vivíamos, naquela época, ainda sob a esperança do etanol como porvir de alternativa limpa, sustentável e economicamente viável aos tradicionais combustíveis fósseis.
Chamaram-me à atenção duas fontes de energia de usual consumo doméstico: eletricidade e o gás engarrafado, o famoso GLP – gás liquefeito de petróleo. Lembrei-me que nos Estados Unidos, pelo menos nas cidades onde morei, regularmente não se usava o GLP, mas, tão somente energia elétrica no consumo doméstico. Inferi que no Brasil, a popularidade do GLP se fazia e ainda se faz mais como imposição que por opção, uma vez que a energia elétrica é fornecida ao consumidor doméstico a preço escorchante, por conta dos elevados encargos tributários incluídos, além dos lucros extorsivos das geradoras, transmissoras e distribuidoras de energia elétrica. Todo esse arranjo para acomodar pressões entre grupos econômicos ligados ao setor energético e influentes em governo passivo ou conivente.
O usuário final de energia elétrica termina, compulsoriamente, engordando as burras dos diversos agentes do setor. E, por desgraça, obrigado a consumir o gás liquefeito de petróleo – GLP.
Sem contar os riscos de explosão, incêndio, mortes, intoxicação etc., o GLP chega a preço final emprenhado de custos que se sucedem e se acumulam. Se não, vejamos:
1º petróleo, seu único insumo (nada barato e importado em grande parte);
2º operações industriais de refino;
3º comercialização no repasse da refinadora à distribuidora;
4º operações de transferência, sob pressão, para tanques de transporte rodoviário;
5° transporte – na maioria rodoviário – até as centrais engarrafadoras, implicando em frete, seguro, desgaste de pavimento rodoviário, risco de acidente, incertezas no percurso etc.
6º operações de fracionamento, isto é, de engarrafamento em botijões (cascos metálicos, mais pesados que o próprio gás), adicionando-se, nessa fase, custos relativos à produção, transporte, manutenção e reposição de botijões, desde o fabricante até os engarrafadores, onde ainda se agregam mais custos paralelos;
7º transporte dos botijões cheios até as subdistribuidoras locais, destas aos varejistas e, por fim, aos usuários finais;
8º recolhimento e retorno dos botijões vazios;
9º lucratividade entre os agentes envolvidos, distribuidores, subdistribuidores, varejistas etc.
Acrescente-se a esses elementos, o fato de nosso país possuir dimensões continentais e, com isso, sujeitar-se ao desabastecimento de comunidades mais afastadas, quando da interrupção de vias por enchentes, inadequação de pavimentos, acidentes, manifestações grevistas etc. Isso sem contar com a suspensão voluntária de fornecimento por inescrupulosas questões comerciais, como já ocorreu em certas épocas.
Considere-se, ainda, que a oferta comercial de gás está nas mãos de um oligopólio, o que fragiliza a matriz energética nacional e submete o consumidor a ditames fora do controle governamental. A supressão comercial do gás de cozinha ou o descontrole de seu preço afeta pontualmente a camada mais pobre da população, ao contrário da suspensão do fornecimento de energia elétrica que afetaria também outros segmentos da economia com maior poder de barganha junto a governantes.
Cabe, em síntese, indagar: (a) seria o valor energético contido no gás de cozinha engarrafado que chega ao consumidor maior que o utilizado em toda essa cascata de produção, transporte, manipulação e comercialização (sem contar o metabólico das pessoas envolvidas, bem como o desperdício e as perdas comuns em produto tão volátil)? (b) qual o valor isolado do gás nessa complexa engrenagem? (c) não se chegaria a melhores índices de segurança e eficiência energética se o GLP ou seu insumo fosse usado como combustível em termelétrica?
O curioso nesse cenário é que o GLP ainda consegue ser mais barato na cozinha que as resistências elétricas de aquecimento, razão de sobra para se suspeitar que o governo subsidie não o gás, mas todo esse complexo processo e os interesses de seus dos agentes envolvidos.
Os exatos números dessa equação não são fáceis de obtenção. Contudo, não é difícil concluir que, fora de nosso conhecimento, há algo inexplicável nessa preferência pelo GLP em nosso país.
Urge, pois, uma melhor reflexão sobre a matriz energética nacional, para reestruturá-la tomando como referência os custos e riscos de produção e transporte, bem como fatores estratégicos de segurança social.
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. E pensador por opção. [email protected]