Fruticultura da Bahia: um campo de oportunidades

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Por Herbert de Morais Café*

A Bahia e o Brasil figuram na percepção popular pela excelência das frutas da terra. No estado baiano, vale relembrar que, desde a implantação do coco – fruto de origem asiática, trazido pelos portugueses de Cabo Verde, em 1553, aqui rebatizado e difundido como coco da Bahia –, passando pelo emblemático ciclo do Cacau, a economia, a cultura e a ocupação do solo sempre amadureceram ao sabor das frutas colhidas nas roças, pomares, sítios e fazendas de seu vasto território.

Potência atual na fruticultura, a Bahia se firma como um dos maiores produtores nacionais. Dados colocam o estado no segundo lugar geral na produção de frutas frescas, com mais de 5 milhões de toneladas colhidas. Isto, por si só, representa 10% do que o Brasil entrega, sendo que o estado lidera em frutas como manga, maracujá e guaraná. Destacam-se também as culturas do cacau, mamão, coco, abacaxi, limão, abacate, banana, melão, goiaba, açaí, melancia, uva, marmelo e laranja, a partir de dados fechados em 2022 pelo IBGE. As regiões de Juazeiro, no Norte; Teixeira de Freitas, no Extremo-Sul; Bom Jesus da Lapa, no Oeste; Venceslau Guimarães, Taperoá e Ituberá, no Baixo-Sul; e Ilhéus, no Sul, são alguns dos polos que mais produzem frutas no estado.

Cabe analisar que o perfil variado da produção baiana é influenciado por um território tropical, marcado por diversidade de solos e de climas que vão do litoral úmido, passando pelo semiárido, até regiões de temperaturas mais amenas devido às altitudes das serras e chapadas. Isto permite que o estado tenha encontrado excelência na produção de café, por exemplo, e que desbrave culturas exóticas, como as frutas vermelhas (berries), a exemplo de morango, framboesa, amora e mirtilo, colhidas na Chapada Diamantina, com destaque para municípios como Morro do Chapéu e Ibicoara. Do sertão, o fruto do umbuzeiro projeta o estado como maior produtor nacional, especialmente na região norte baiana, nos municípios dominados pela caatinga em Canudos, Curaçá e Uauá.

Quanto ao perfil das unidades produtivas, as pequenas propriedades, a agricultura familiar e as redes cooperadas marcam decisivamente a fruticultura estadual, demonstrando o impacto dos pequenos negócios rurais na dinamização da economia local. Essa força, que move a produção de frutas, deixa a Bahia também numa variação entre segundo e terceiro estado que mais exporta no país, superado apenas por Rio Grande do Norte e Pernambuco. O Rio Grande Norte responde por 25% das exportações nacionais, a Bahia fica com 18% dessa fatia. No cômputo da comercialização baiana, esta alcançou, em 2023, a cifra de aproximadamente US$ 240 milhões, dos US$ 1,34 bilhão faturados pelo Brasil, e a comercialização externa de 188 mil toneladas, sendo que as mesas de famílias da União Europeia, dos Estados Unidos e do Reino Unido foram as que mais contaram com frutas baianas.

Embora o cenário exportador nacional tenha evoluído nos últimos anos, especialmente no período pós-pandemia com a busca por alimentos e estilo de vida mais saudáveis por parte do mercado consumidor global, a situação da Bahia e do Brasil ainda descortinam desafios. Impulsionado pelo Nordeste, o país é o terceiro maior produtor mundial de frutas, atrás de China e Índia, contudo, sequer figura entre os dez grandes atores do mercado internacional. Pontuou, nos últimos ranqueamentos, na 24ª colocação em exportações.

A liderança mundial do mercado de frutas pertence à Espanha, país que sozinho fatura cerca de US$ 11 bilhões. O reino ibérico é o campeão global no abastecimento de frutas vermelhas como ameixas, morangos, framboesas e groselhas.

Olhares intercontinentais

Detendo-se o olhar sobre a situação do Brasil, enquanto o gigante de dimensões continentais ainda dorme no que tange às exportações, o Chile, com um território 11 vezes menor que o do Brasil, ocupado pela imponente Cordilheira dos Andes, por geleiras e pelo deserto mais seco do globo – o Atacama, rouba a cena entre os atores latino-americanos.

Para efeitos comparativos, em 2023, o Chile atingiu a marca de 3 milhões de toneladas enviadas ao mercado externo, com um faturamento de US$ 6,85 bilhões, enquanto o Brasil, em 2023, alcançou 1,1 milhão de toneladas de frutas embarcadas para o exterior e faturamento de US$ 1,34 milhão, de acordo com o Boletim Hortigranjeiro divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No cardápio de excelência mundial das frutas chilenas, destacam-se uva, maçã, kiwi, pera e as chamadas frutas de caroço, como pêssego, damasco, cereja e nectarina.

O modelo de fruticultura do Chile é marcado pelo associativismo e cooperativismo, porém, fortemente coordenado por empresas transnacionais. Estas controlam em larga escala a operação de exportações voltadas para o abastecimento do mercado internacional. Não obstante, o papel dos mecanismos de fomento estatais, a criação de estruturas eficientes e de uma coordenação diplomática com foco no setor foram decisivos para a afirmação do país latino junto aos grandes centros globais de consumo. A estruturação do ProChile como agência de fomento dentro do Ministério das Relações Exteriores, atuando há mais de 50 anos na promoção da economia local, é uma forte estratégia e referência para a consolidação do projeto de internacionalização chileno.

Como visto, o perfil e estruturas produtivas chilenas são diversos daqueles encontrados no Brasil, especialmente na Bahia, mas apontam caminhos do que pode ser enfrentado para superação dos gargalos logísticos que ainda atravancam a chegada das frutas locais a outros mercados.

A Ásia, com a potência de consumo chinesa, além dos EUA, Oriente Médio, União Europeia – com destaque para os Países Baixos – e Reino Unido são compradores a serem desenvolvidos e aprofundados no olhar da fruticultura local. Chama também a atenção o vácuo de exportações para o mercado latino-americano, embora se apresentem desafios logísticos mais profundos nesta operacionalização. São meio bilhão de habitantes na América Latina, um potencial mercado consumidor que não pode ser ignorado nas estratégias brasileiras de comercialização.

Oportunidades face aos desafios

As barreiras fitossanitárias existem e são mecanismo de defesa das produções locais, afinal, frutas são agentes orgânicos e precisam atender a requisitos de segurança contra a disseminação de pragas e doenças. Estas exigências, no passado, poderiam ser um grande entrave à exportação da produção brasileira e baiana, contudo, tem-se no país uma cultura agroexportadora sólida, lastreada por instituições e normatizações que especializaram os produtores locais para atender aos mais elevados padrões.

Por isso, cabe sempre ressaltar o papel fundamental de atores públicos e organizações representativas setoriais, a exemplo dos Governos Federal e Estadual, por meio dos seus ministérios, secretarias e organismos de apoio à administração, como Embrapa, Codesvasf, APEX, BAHIAINVESTE, entre outros atores; das instituições financeiras e da iniciativa privada organizada com a CNA/Sistema Faeb-Senar e o Sebrae. Estes são alguns agentes que há muito atuam no melhoramento das lavouras, investimento em pesquisa e inovação, normatizações técnicas e, principalmente, preparação dos produtores para comercializar internamente e internacionalizar.

Localmente, essa rede de suporte se configura em uma vantagem competitiva que pode ser ainda mais efetiva e largamente explorada na missão de levar as frutas do país a um patamar de protagonismo internacional. Isto sem qualquer risco ao abastecimento interno. Dados da Embrapa contabilizam que o Brasil desperdiça 26 milhões de toneladas de alimentos todos os anos, destes, cerca de 11 milhões de toneladas de frutas e hortaliças vão parar no lixo, o que corresponde a 30% da produção nacional. Combater o desperdício, conjugando o enorme mercado consumidor interno às oportunidades além das fronteiras externas é uma forma de garantir mais rentabilidade, geração de empregos e prosperidade no campo.

Criar uma orientação eficiente ao mercado exterior demanda ainda o amadurecimento de políticas macroeconômicas que protejam a atividade de instabilidades políticas, um problema crônico no país que contribuiu por atrasar em décadas o crescimento do Brasil no mercado global de frutas. Enfrentar questões tributárias e burocráticas, como a quantidade de fiscais para liberação de cargas, são pontos básicos para a competitividade do produtor brasileiro nas negociações com os países destinatários.

É ponto pacífico que o Brasil precisa, com urgência, modernizar sua infraestrutura e rede logística. Um dos grandes desafios da economia nacional é fazer com que a enorme produção que o campo entrega com excelência não esbarre nas deficiências de uma malha rodoviária sucateada, na insegurança no transporte de cargas, em portos e aeroportos com operações engessadas, entre outros desafios mapeados.

Um exemplo particular baiano sobre esta realidade é a produção de banana na região oeste. Aquela fronteira agrícola, reconhecida pelas culturas da soja e do algodão, encontra no município de Bom Jesus da Lapa a referência estadual na produção de banana. Como fazer com que as frutas que saem de Bom Jesus da Lapa possam chegar de forma rápida e eficiente nos portos exportadores do litoral baiano? Estados como Rio Grande do Norte e Ceará têm sido exemplos nesta tarefa. Eles já gozam de uma maior proximidade dos grandes centros consumidores, como a Europa e a América do Norte, e têm se destacado na organização dos polos exportadores para que seus produtos sejam mais competitivos e de fácil trânsito aos compradores internacionais.

Um ordenamento competente dos centros produtivos baianos requer atenção à integração entre os municípios, à melhoria das práticas tributárias, ao investimento em infraestrutura e verticalização dos polos, com especial atenção ao Oeste, Extremo-Sul, Baixo-Sul, Sul, Chapada Diamantina e Norte, onde o polo de Juazeiro já é uma referência como 3º maior entreposto de comercialização de frutas do Brasil. Sendo uma região de divisa, assim como o Extremo-Sul, cabe ao estado atentar também para a migração da produção local para corredores de exportação em estados vizinhos, impactando nos resultados das exportações baianas.

O estado precisa estar ainda mais próximo dos fruticultores no investimento em melhorias técnicas de produção. Analisando-se a situação do vale do São Francisco, onde as condições de clima e recursos hídricos são semelhantes, é notória a necessidade de a Bahia chegar mais junto dos produtores na qualificação. Os solos do lado baiano são morfologicamente melhores, porém, quando são comparados os dados da produção de manga e uva, por exemplo, as propriedades pernambucanas têm uma produtividade que supera em 30% a da Bahia, como informa a Codevasf.

Por fim, outro vetor a ser trabalhado é o de promoção e divulgação. Uma boa preparação dos mercados compradores é essencial para o sucesso da estratégia de internacionalização, como visto no case de sucesso chileno. Nesse sentido, as frutas locais precisam voltar a figurar em feiras, rodadas de negócios, missões e grande eventos setoriais nacionais e globais, como a Fispal, em São Paulo; Fruit Logistica, na Alemanha, e Eurofruit, na Espanha. Para a Bahia, urge retomar e ampliar o calendário de eventos de promoção, como a Feira da Agricultura Familiar; a Fenagro, na capital baiana; e a Fenagri, criada nos anos 80, em Juazeiro, e que chegou a ser o maior evento de fruticultura da América Latina.

Ao se debruçar sobre esta desafiadora realidade, a Bahia e o Brasil têm a oportunidade de reencontrar na fruticultura a chave para o desenvolvimento local de forma sustentável, com um olhar zeloso para o mercado interno e força competitiva para conquistar consumidores mundo a fora. Deste movimento, os pequenos produtores, os municípios e os polos produtores são os principais agentes de transformação econômica e social que podem levar o país a desfrutar, orgulhosamente, de uma fruticultura conectada às necessidades de homens e mulheres, no campo e nas cidades, nas mais diversas partes do globo. O campo para a produção de frutas está aberto para ser semeado, trabalhado com técnica, inovação, transformação e verticalização até que se possa colher os frutos de um futuro mais próspero, saudável e sustentável para os brasileiros.

*Herbert de Morais Café é Engº Agrônomo e Assessor da Superintendência do Sebrae/BA

1 COMENTÁRIO

  1. INDIVIDUALMENTE FICA DIFICIL A PRODUÇÃO DE FRUTAS DE QUALIDADE PARA UM PAIS ATENDER O MERCADO INTERNO. SE ELE PENSA EM EXPORTAR PARA GERAR RECEITAS E OBTER MAIOR LUCRATIVIDADE FAZ-SE NECESSÁRIO O TRABALHO COLETIVO. INVESTIMENTOS EM INOVAÇÃO E TECNOLOGIA REQUER SIGNIFICATIVO VOLUME DE RECURSOS FINANCEIROS E HUMANOS.
    AS SOCIEDADES COOPERATIVAS QUANDO BEM ADMINISTRADAS E QUADRO SOCIAL CONSCIENTE DE SUAS ATRIBUIÇÕES, ASSOCIADAS ÀS NECESSÁRIAS PARCERIAS PODE AGREGAR VALOR AOS PRODUTOS COM QUALIDADE , PRODUTIVIDADE E EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA. PARA TANTO NÃO PIDEMOS ESQUECER DOS PRINCÍPIOS BÁSICOS:
    01) ADESÃO VOLUNTÁRIA E LIVRE;
    02) PARTICIPAÇÃO ECONÔMICA DOS ASSOCIADOS;
    03) GESTÃO DEMOCRÁTICA PELOS ASSOCIADOS;
    04) AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA;
    05) EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO E INFORMAÇÃO;
    06) INTERCOOPERAÇÃO;
    07) COMPROMISSO COM A COMUNIDADE.
    Sistema Ocergs.

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