Por Maurício de Novais Reis*
O psicanalista não se autoriza senão de si mesmo, defendia Lacan. Obviamente, esse autorizar-se de si mesmo não significa de maneira alguma que tornar-se psicanalista implique necessariamente numa “autoproclamação”. Pelo contrário, tornar-se psicanalista, segundo a conceituação lacaniana, implica obrigatoriamente na relação do sujeito com seu percurso analítico e tudo aquilo que, implícita ou explicitamente, encontra-se relacionado com esse percurso. Desta forma, tornar-se psicanalista é resultado de uma responsabilização do sujeito frente o próprio desejo e a aceitação da comunidade analítica à qual está inserido e partícipe.
Nesta perspectiva, o percurso formativo é imprescindível para a formação do psicanalista. No interior da teoria psicanalítica, no tocante à formação de psicanalistas, não podemos dizer que Lacan perverteu a metodologia utilizada pela Associação Internacional de Psicanálise – IPA, fundada por Freud. Lacan promoveu, dentro dos limites da teorização, a conceituação da formação do psicanalista dentro das bases epistemológicas. Formação do psicanalista adquiriu status de conceito, diferentemente de como era antes, uma exigência metodológica.
Assim, a formação do analista continua fundamentada no tripé freudiano, a saber, seminários teóricos, análise pessoal e supervisão clínica. Todavia, a reforma no entendimento de formação, embora não tenha impactado estruturalmente a metodologia utilizada até então, realizou uma tarefa importantíssima: trouxe à tona o discurso ético. O estatuto da psicanálise não é ôntico, mas ético. Isso significa que tornar-se psicanalista é, antes de qualquer coisa, uma decisão ética. É reconhecer que a psicanálise só poderá ser útil a outrem se antes tiver sido útil ao próprio analista. Por isso o psicanalista não se faz na poltrona, mas no divã. É no divã que o sujeito reconcilia-se com a própria história, refaz seu percurso de vida, elabora seus conflitos psíquicos, reconhece-se como sujeito de desejo, simboliza o discurso significante que encadeia sua posição de sujeito.
O psicanalista não se autoriza senão de si mesmo. Autoriza-se de si mesmo em comunhão (palavra sugestiva) com o saber constituído legitimamente na escola ou instituição psicanalítica na qual o sujeito realiza sua formação. O psicanalista em formação aposta na constituição ética do saber psicanalítico frente o absurdo do Real.
No campo metodológico da formação psicanalítica, podemos destacar o tripé freudiano, alicerçado nas orientações deixadas por Freud. Seminários ou estudos teóricos constituem a parte da formação estruturada sobre o conhecimento das diversas correntes teóricas da psicanálise. Aliado aos estudos teóricos, o aspirante a psicanalista precisa “entrar em análise”, ou seja, tornar-se ele mesmo paciente de um psicanalista (nas sociedades da IPA existe a figura do analista didata). Parece consenso entre psicanalistas das diversas escolas e formações que essa é a principal etapa da formação. Outro fator importante é que o tempo de análise pessoal varia de uma instituição para outra (normalmente as análises de orientação lacaniana – embora com sessões de tempo variável – podem durar anos). Contudo, algumas instituições têm oferecido formações com uma exigência mínima de apenas dez sessões de análise pessoal (um verdadeiro absurdo!). A terceira etapa da formação psicanalítica é a supervisão clínica. Nesta etapa, o aspirante deve atender no mínimo três pacientes sob a supervisão de um psicanalista experiente.
*Mauricio de Novais Reis é Graduado em Pedagogia, Graduado em Filosofia, Especialista em Teoria Psicanalítica, Professor no Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa e Coordenador Pedagógico na Escola M. Prof. Sheneider Cordeiro Correia. Contatos: (73) 99928-0460 / (73) 98885-3463.