Fim do DPVAT e políticas públicas para vítimas de trânsito geram rombo de R$ 580 milhões ao SUS

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Especialistas apontam que ausência de seguro obrigatório e políticas de prevenção agrava crise no sistema de saúde e deixa vítimas desamparadas

Sistema Único de Saúde (SUS) gastou R$ 449 milhões em 2024 com internações de vítimas de acidentes de trânsito no Brasil, segundo levantamento inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em dados do Datasus. O montante, que cobre desde atendimentos de emergência até reabilitação prolongada e fornecimento de órteses e próteses, reflete um aumento de quase 50% nos gastos hospitalares com sinistros de trânsito desde 1998, quando o valor era de R$ 301,7 milhões. A situação é agravada pela extinção do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) em 2021, que custava ao SUS cerca de R$ 580 milhões anuais em repasses que ajudavam a cobrir esses custos.

A ausência do DPVAT, que destinava 45% de sua arrecadação ao SUS entre 2011 e 2020 — totalizando R$ 5,8 bilhões no período —, transferiu integralmente a conta dos atendimentos às vítimas de trânsito para o sistema público de saúde. “O fim do DPVAT reduziu a capacidade de atendimento às vítimas no SUS e eliminou a indenização às famílias, o que agrava ainda mais a situação das populações mais vulneráveis”, destaca o Atlas da Violência 2025, produzido pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Os gastos do SUS com acidentes de trânsito cresceram de forma quase constante ao longo dos últimos 27 anos, com um salto significativo entre 2008 e 2009, quando os custos passaram de R$ 280 milhões para R$ 386 milhões. Mesmo durante a pandemia de Covid-19, com redução no fluxo de veículos, os gastos não caíram significativamente, atingindo R$ 404,9 milhões em 2020. Estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Ceará e Paraná lideram os gastos hospitalares, enquanto Tocantins, Mato Grosso e Piauí registram as maiores taxas de mortalidade proporcional por acidentes de trânsito.

Lucio Almeida, presidente da ONG Centro de Defesa das Vítimas de Trânsito (CDVT), critica a ausência de políticas públicas voltadas às vítimas de acidentes no Brasil. “O Brasil tem um dos trânsitos mais violentos do mundo e não tem nenhuma política pública voltada às vítimas de acidentes. Até mesmo países da América Latina, com economias inferiores à nossa, oferecem algum tipo de amparo a suas vítimas”, afirma. Ele cita o exemplo do Seguro Obrigatório de Acidentes de Trânsito (SOAT), adotado em países como Peru, Equador e Venezuela, que garante cobertura de despesas médicas e indenizações independentemente de culpa.

Tentativa frustrada de retomada do seguro

Em 2024, o governo federal tentou instituir o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT) para substituir o DPVAT, extinto em 2021 pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) sob a justificativa de evitar fraudes e reduzir custos de regulação. A proposta do SPVAT, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, previa indenizações por morte, invalidez permanente e reembolso de despesas médicas, além de aliviar o impacto financeiro no SUS e na Previdência Social. No entanto, a iniciativa enfrentou resistência de governadores e do Congresso, que criticaram a criação de um novo encargo obrigatório para motoristas, levando à revogação da lei antes de sua entrada em vigor.

A suspensão do DPVAT e o fracasso do SPVAT deixaram as vítimas de acidentes de trânsito sem amparo financeiro, forçando muitas a buscar reparação por meio de judicialização contra os condutores responsáveis. “Se o veículo envolvido no acidente não tiver seguro privado com cláusulas específicas para danos a terceiros, a vítima pode ficar desamparada”, alerta o especialista em automóveis Boris Feldman.

Recursos parados e pressão por soluções

Outro ponto crítico é a retenção de R$ 2,6 bilhões arrecadados pelo DPVAT, que permanecem bloqueados apesar de decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) pela liberação. Segundo Almeida, esses recursos poderiam indenizar todas as vítimas de acidentes de 2023 e 2024. A Defensoria Pública da União (DPU) também acionou a Justiça para garantir que vítimas de acidentes ocorridos entre novembro de 2023 e dezembro de 2024, período em que o SPVAT esteve em discussão, recebam as indenizações devidas.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) estima que acidentes de trânsito consomem entre 1% e 3% do PIB de países latino-americanos, o que no Brasil representaria entre R$ 117 bilhões e R$ 351 bilhões em 2024, considerando o PIB estimado em R$ 11,7 trilhões. Além dos custos financeiros, o impacto humano é significativo: mais de 60% das internações no SUS por acidentes de trânsito envolvem motociclistas, e 78% das vítimas são homens jovens. O Atlas da Violência 2025 aponta que o Brasil registrou 34.881 mortes no trânsito em 2024, um aumento de 2,9% em relação às 33.894 de 2023, com motociclistas representando 38,6% das vítimas fatais.

Necessidade de prevenção

Especialistas, como Ricardo Pérez-Núñez, assessor regional em segurança viária da OPAS, defendem que a prevenção é essencial para reduzir os custos e as mortes no trânsito. “Estamos gastando para reparar os danos da insegurança, em vez de investir na prevenção e garantir que vidas não sejam perdidas por essa causa”, afirma. Medidas como fiscalização efetiva, infraestrutura segura e campanhas educativas, como o Maio Amarelo, que em 2024 adotou o tema “Mobilidade Urbana, Responsabilidade Humana”, são apontadas como caminhos para reverter o cenário.

Com o aumento constante dos gastos do SUS e a ausência de um mecanismo como o DPVAT, o Brasil enfrenta um desafio estrutural para proteger suas vítimas de trânsito. A mobilização de entidades como o CDVT e a pressão por políticas públicas mais robustas são passos iniciais, mas a solução exige coordenação entre governo, sociedade civil e cidadãos para garantir segurança viária e amparo às vítimas. Por Alan.Alex /Painel Político

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