Feira-livre é alegre

385

roberio-sulzAs emissoras de TV, enfim, acordaram para o encanto das feiras-livres. Claro que estas não são mais aquelas que guardavam sob as barracas, atrás das bancas, mais produtores que atravessadores.
Ainda assim, é um excelente escape à frieza das prateleiras dos supermercados. Nas feiras-livres, pratica-se, além da compra, a troca de palavras, gestos, sorrisos e bom humor, enfim. E mais importante: ninguém vai à feira em busca das coisas anunciadas na TV.
A farinha não tem marca carimbada, mas tem qualidade e origem. É a tradicional do seu Martinho, aquela fresquinha, ainda com cheiro de goma. Chuchu verdinho, que se estala tenro ao toque da unha, só o de dona Severina. Batata-doce, inhame, cará e aipim são expostos sobre lona no chão, trazidos no lombo por gente que não tem como alugar uma banca.  Sem balança para pesar, são arrumadinhos em magotes de dois reais.
Laranja, mamão, abacaxi, maracujás doce e azedo, tomate, maxixe, pimentão e quiabo dos bons são os que não viajam em caixotes do CEASA. Quase que colhidos na hora, mostram todo seu viço, ainda com folhas, nos cestos artesanais fabricados pela família de Totonho. Cheiro verde e folhagens lembram arranjos florais nas úmidas e lindas gamelas de jaqueira esculpidas por Servinho e seus filhos.
Nos estreitos e tortuosos caminhos da feira livre, gente sentada no chão ou em toscos tamboretes. Algumas bancas bem rústicas, sombreadas por palmas de coqueiro. Não faltam exuberantes pingentes cachos e pencas de bananas a colorir e perfumar a passarela. Prata, nanica, maçã, ouro (ou dedo-de-moça), são tomé, da terra, roxa e algumas que pouca gente conhece.
Os vendedores de cana, coco verde, abóbora e melancia sempre se acomodam no fim ou no início da feira. Seus produtos impõe certo esforço para carregar.
Também se acham na feira, dendê na fruta cozida e seu azeite engarrafado, óleo de coco, temperos e misturas de temperos, manteiga de garrafa, queijo e requeijão caipira. Isso, sem falar nos raizeiros a vender seus milagrosos produtos: óleos de copaíba, sucupira, rícino e outros; pau-tenente, pau-de-resposta, chapéu-de-couro, chifre-de-veado, barbatimão, buchinha, raiz-de-cheiro, casca de ipê roxo e mais centenas de produtos naturais, tinturas alcoólicas e garrafadas.
Curiosamente, a feira não se repete em seus detalhes. Sempre há novidades, especialmente marcadas pela variedade de frutas da estação que atraem gente e comentários. “A jabuticaba deste ano está mais doce que a do ano passado. As pitangas vieram mais carnudas. Lourenço de Gorá tem mangaba fresquinha, colhida ainda hoje pela madrugada. As graviolas de dona Dedé, nesta estação, estão enormes. Ótimas para fazer polpa caseira”.
Não raro, a aglomeração em torno desta ou daquela banca, denota a presença das primeiras frutas ou verduras abrindo a safra. Maxixe alemão ou chuchu de vento, cacau na fruta, grumixama, acerola, graviola, jaca, jenipapo etc. Cada uma a seu tempo. Surge até macaúba, que a meninada chama de “coco de catarro”. Para quem não conhece essa raridade nordestina, é um coco castanho, do tamanho de uma bola de pingue-pongue que guarda sob sua fina e quebradiça casca um caroço polpudo, amarelo, doce e extremamente delicioso. Contudo, a fruta de época que mais chama à atenção é o caju. Geralmente colhido no mato pela criançada e oferecido, aos montões, em balaios rasos.
Tem gente que começa a feira pelas quitandas: bolos e pães artesanais, cuscuz, biscoitos, beijus, moquecas de tapioca e mais dessas coisas que fazem encher a boca d’água. Há quem não resista. Lambuza-se comendo ali mesmo, em pé e andando. Lili de dona Dedé já sabe disso e oferece seus produtos em pratinhos descartáveis com guardanapo.
Nas cidades litorâneas próximas a mangue é comum o comércio de caranguejo, guaiamum, lambreta, camarão e peixe seco.
Para completar a alegria da feira, há costumeiramente um ambulante oferecendo literatura de cordel. Encostadinho nele, um sanfoneiro acompanhado por seu filho na zabumba ou no triângulo. Transformam, com muita arte, as aventuras dos cordéis em curiosa cantoria.
E como tem gente interessante entre feirantes e fregueses. Logo ali na entrada, à esquerda, percebe-se, sem muito procurar, a destacada figura de Bernarda. Sempre enfiada em vestidos estampados de cores vivas e um grande lenço-turbante de mesma estampa a enfeitar-lhe a cabeça. Negra de simpatia cativante, é ímpar exemplo da beleza Iorubá. Vende abóbora em fatias, aipim amarelo escolhido, batata doce, cará e inhame de primeira. Para quem duvidar da qualidade de seus produtos, ela oferece provas cozidas em panelinhas.
Seu Juvenal, negro do tipo “Preto Velho”, com barba e cabelos brancos, vende apenas produtos colhidos em sua roça: mamão, coco seco, milho verde, laranja de umbigo, tangerina, banana da terra, manga espada e manguita. Recusa o papel de revendedor dos outros. Seu abacaxi não tem a beleza dos produzidos em fazendas comerciais. Mas, é incomparavelmente saboroso. Acaba antes das oito.
Por fim, mas sem pretender esgotar todos os tipos da feira livre, bom falar de seu Zé Bernardo, produtor e vendedor de famosos beijus secos e moquecas de tapioca com coco. Vende mais caro que os outros, mas tem muita qualidade e higiene.
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico (B.Sc.) pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected]