Fazenda urubu

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Era uma visita técnica à Fazenda Urubu, da Embrapa, no Amazonas, não muito longe de Manaus. Objetivava conferir o andamento dos experimentos que ali se desenvolviam com dendê, implicando na avaliação de variedades africanas, quanto à produtividade, resistência a pragas, manejo, qualidade de frutos para a produção de óleo e outras variáveis significantes que pudessem validar a recomendação de se as utilizarem em plantios comerciais na Amazônia. Os experimentos também testavam arranjos e sistemas de produção.
A elevação dos preços internacionais do petróleo empurrou o Brasil para trilha de busca de energia alternativa renovável. Alavancaram-se o Proálcool e ações voltadas para o aproveitamento de óleos vegetais em motores a combustão. Nessa esteira, incluíram-se nesses experimentos a avaliação dos óleos “palma” e “palmiste” na formulação do biodiesel.
A grandiosidade e verticalidade dos experimentos levados a cabo na Fazenda Urubu/AM, refletiam o empenho da Embrapa para com as políticas do setor energético. Tanto, que instituiu, como parte de seu sistema operacional, o Programa Nacional de Pesquisa de Energia Alternativa na Agricultura, o PNP-Energia – PNP Energia.
Estava eu a cumprir tarefas inerentes a minhas funções na Embrapa, como Chefe do Departamento Técnico e Científico e responsável pela Coordenação do PNP-Energia.
Na companhia do Chefe do Centro Nacional de Pesquisa de Seringueira e Dendê e dos pesquisadores condutores dos projetos na Fazenda Urubu, percorremos áreas plantadas e laboratórios, fazendo observações e registros necessários. Discutíamos e analisávamos preliminarmente os resultados até então obtidos, comparávamos e conferíamos dados e indicativos anotados nos cadernos de campo. Não faltavam ajustes de ordem técnica e metodológica objetivando a eficácia dos projetos.
Almoçamos matrinchã frita no dendê, com pirão mole de banana da terra com aipim temperado com azedinha fresca. A comida foi feita pela índia Namayi, esposa do caboclo Tonho, dublê de zelador e almoxarife do campo experimental. O casal morava na fazenda, juntamente com duas filhas adolescentes: Jura e Tanay, ausentes naquele momento, por estarem na escola.
Pela tarde, ocupamo-nos de ver os procedimentos praticados para colheita, transporte e extração dos óleos de palma (dendê, propriamente) e de palmiste, obtido a partir da semente após obtenção daquele. Na ocasião, a Embrapa já projetava equipamentos acessíveis ao pequeno produtor de dendê.
Dia seguinte, voltamos à Fazenda Urubu para observar o aproveitamento, além do óleo vegetal, de cascas e outros materiais orgânicos no aporte de energia ao sistema.
Chegando ainda cedo, pelo prazer de curtir a natureza, segui a trilha usual de acesso ao Rio Urubu. Cheguei a certo ponto onde as margens de barrancos desbastados facilitavam usar suas águas para banho e lavação de roupas e utensílios. Além disso, três troncos aparados serviam de rudimentar embarcadouro a uma pequena canoa, cuidadosamente esculpida de tronco de madeira leve’1, movida por rabeta motorizada na popa, ali atracada.
Rio estreito, de águas preguiçosas, translúcidas, mas, ligeiramente escurecidas. Era possível ver peixes a nadar. Vegetação variada, com árvores, arbustos e ervas de vários portes davam-lhe um contorno bem amazônico. Na outra margem podiam-se notar capivaras e outros animais em movimento.
A brisa não ajudava muito a arrefecer o calor natural da região.
Estava a me retirar quando Jura e Tanay aproximavam-se com mochilas tipicamente escolares. Cumprimentei-as e me apresentei. Antes de embarcarem na canoa, troquei uma ligeira prosa. Fiquei sabendo que a canoa foi construída – ou melhor, esculpida – a partir de um tronco de madeira leve, por seu tio índio, experiente no assunto. A rabeta fora oferta dos funcionários da Embrapa. O motor, também presenteado, achava-se adaptado para consumo de biodiesel produzido na própria fazenda. A viagem dali até a escola durava quase meia hora, rio acima para ir. Sempre levavam capa plástica para a eventualidade de chuva. Na mochila, além do material escolar, lanterna e um sinalizador luminoso para o caso de necessitarem de socorro. No chão da canoa, dois remos de prontidão. Falamos sobre peixes, frutas, animais, cheias e vazantes. Jura e Tanay encantavam-me com o conhecimento e a destreza de se viver na floresta. Não passavam de doze anos, com a diferença de um ano.
Jura, a mais velha, sabia operar e navegar muito bem a canoa. Contou que algumas raras vezes o motor pifou quando iam para a escola. Sempre que isso acontecia, voltavam para casa, ainda que devagar, ao sabor do correr das águas.
Deixei-as seguir. Acionaram o motor da rabeta e rapidinho já sumiam na curva do rio.
De volta ao encontro dos colegas, assistimos às medições calóricas dos bagaços, folhas e outros resíduos. Encaminhamos nosso retorno a Manaus. Não sem antes passar em duas fazendas comerciais de dendê. Uma em implantação e outra entrando na fase de produção.
Retornando à Brasília, no avião, imaginei os embaraços que Jura e Tanay passariam numa cidade grande, onde a juventude se diverte com joguinhos eletrônicos, vadiagem nos shoppings centers e fuleragem nas “baladas”.
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected]