Falsa reforma

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Alguém viu o senhor Henrique Meirelles fazer palestra ou explicar ao trabalhador brasileiro sobre suas propostas de redução dos direitos trabalhistas e previdenciários?  Falou com os metalúrgicos? Com o operariado da construção civil? Com os professores dos ensinos fundamental e médio? Com motoristas, comerciários? Enfim, com nossa gente assalariada que rala o dia inteiro para sobreviver?
Certamente, não! Mas ele não dispensa um fórum com investidores e aplicadores na bolsa de valores. Tem cadeira cativa nas salas de reunião e auditórios da FIESP. Almoça e janta diariamente com empresários e apostadores do cassino de papéis financeiros. Virou figura carimbada nas telinhas da TV, nas revistas e nos jornalões pagos para bajulá-lo.
Sob sua voz de gargarejo, ameaça-nos com o fantasma de sempre, o fosso econômico causado pelo desequilíbrio fiscal. O governo gasta mais do que arrecada! O que ninguém responde é “gasta mais com quê?”  Para onde ou quem foi ou vai a dinheirama que se remove a cada pá cavada no “fosso”.
Pelo teor das famigeradas reformas, todo esse “cascalho” removido do fosso vai para o bolso do trabalhador e dos beneficiários da previdência social brasileira. Daí, a necessidade de se cortarem imediatamente direitos do assalariado, assim como de lhe reduzir e dificultar acesso aos benefícios previdenciários.
Se tal fosse verdade, por lógica, estaríamos todos de bolsos cheios, consumindo e fazendo a economia nacional nadar de braçada em águas mansas. Teríamos um quadro recheado de dólares e reais em circulação aquecendo a felicidade geral; o fim da ociosidade produtiva com ingresso de novos empreendimentos; emprego de montão; burras públicas abarrotadas e arrecadação mais que suficiente para espantar o fantasma do desequilíbrio fiscal.
Porém, essa gente é incompetente até para mentir ou sofismar. Antes de tudo, carecem passar por sessões de saneamento mental e exercício racional. Enganam descaradamente os videotas presos a telenovelas e capas de revistas.  Usam, sem dó, ensaiado depoimento de gente idosa como instrumento de mentira. Agradam – é claro – ao condomínio dos endinheirados, mandachuvas da economia.
Contudo, o quadro é falacioso. Como explicar o marasmo socioeconômico que nos permeia, com tanto dinheiro no bolso do povo? Prendem-se apenas ao fosso econômico, omitindo as dramáticas consequências, o fosso social, a se instalar no Brasil, com o vigor das reformas propostas. Achatamento salarial resultante da incidência de mais impostos e contribuições na conta do trabalhador. Necessidade de se pagar ao setor privado pela obtenção de serviços naturalmente públicos, como saúde, educação, segurança etc. E, para completar, o ônus da previdência privada, obrigatória e em ritmo de porvir, pelas propostas em andamento.
Nem se tocam n’outras vertentes sangradoras dos cofres públicos. Os juros da dívida governamental; os gigantescos créditos previdenciários e outros não cobrados do empresariado privado e de instituições públicas; a sonegação fiscal, nunca combatida com rigor; os gastos exagerados com a paquidérmica e ineficiente máquina burocrática, inclusive, da própria previdência social; a concessão de generosas gratificações, bônus e agrados salariais injustificáveis para determinadas categorias de servidor público. E, para completar, a imoral mal versão de recursos para pagar propinas e sustentar parlamentares e compinchas sob alinhamento de vontades.
Está claro que essa malfadada reforma é um engodo. O ajuste fiscal propalado é apenas pano de fundo, cortina de fumaça, para mascarar os verdadeiros propósitos da empreitada em curso: acabar com a previdência social pública, substituindo-a por sistema de poupança, a ser gestado por bancos privados. Eis a face obscura, mas real, de toda essa velhacaria, montada e articulada por banqueiros, tendo como preposto o Sr. Meirelles, de currículo e vasta experiência no assunto.
Ressalte-se que esse cidadão nunca esteve ligado a políticas sociais. Seu farol é outro. Fez sua carreira como executivo da área financeira e ganhou fama, ao mostrar-se hábil crupiê, nas bancas dos cassinos rentistas.
Infectante como vírus, não difere muito daquela terrível ministra do governo Collor que sequestrou poupanças populares. Para ambos “o povo é um mero detalhe”, como soe natural no contexto rentista. Chegou a esse ilegítimo governo – de passagem pelo Planalto – na mesma cesta de malandros que se aboletaram no poder, por força de um golpe político.
Carreirista sem ideologia nem lado político, sempre a serviço da melhor paga. Seu mais recente emprego foi presidente do grupo J&S/JBS (Friboi et caverna), dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Esses mesmos que estão a soprar a poeira fecal escondida nos gabinetes e palácios brasilienses. Não há como negar sua responsabilidade e conivência no suborno de políticos para obter favores e empréstimos irregulares. Algo como meio bilhão de reais.
Seu salário na J&S, revelado pela revista Exame, era a “bagatela” de quarenta milhões de reais por ano, justificado pelos donos da empresa, como justo a alguém com “excelentes conexões empresariais e bom trânsito no governo”. Ainda, segundo a mesma revista, Joesley Batista afirmara no ato de sua contratação: “O Meirelles não vai ser apenas um consultor. Vai cobrar dos executivos e traçar estratégias para a expansão do negócio; agora é com ele”.
Esta é a reforma previdenciária, com cheiro de velhacaria e farsa excludente.
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. E pensador por opção. [email protected]