Fabricante da proxalutamida, a “nova cloroquina”, afirma que estudo de médicos bolsonaristas é fraudado

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Propaganda da proxalutamida como “nova cloroquina” feita por Bolsonaro é baseada em estudo investigado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil / Pixabay)

247 – Os estudos clínicos realizados no Amazonas por médicos bolsonaristas sobre o uso da proxalutamida, a “nova cloroquina” propagandeada por Jair Bolsonaro, foram excluídos pela fabricante da relação de pesquisas de referência apresentadas no pedido de autorização feito à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A chinesa Kintor Pharmaceutical, fabricante da proxalutamida, informou à jornalista Malu Gaspar, de O Globo, que há indícios de fraude no estudo.

A proxalutamida é um bloqueador hormonal sintético ainda em estudos no combate ao câncer de próstata e o de mama. A pesquisa bolsonarista teve apoio de um obscuro laboratório americano e uma rede privada de hospitais de Manaus e é alvo de uma investigação na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

Segundo o que os pesquisadores divulgaram na época em uma coletiva de imprensa, depois amplificada por Jair Bolsonaro dia 18 de julho, quando deixou o hospital Vila Nova Star em São Paulo, a proxalutamida teria eficácia de 92% no tratamento de pacientes graves da Covid-19. “Na ocasião, o elevado número de mortes descritas no trabalho – 141 inicialmente, mais de 200 reportadas posteriormente à Conep – suscitou na comunidade científica a suspeita de que ou os dados tivessem sido manipulados para forçar um resultado “milagroso”, ou seus coordenadores teriam deixado parte expressiva dos voluntários morrerem durante a realização do estudo, já que não seria possível aferir se os óbitos em excesso ocorreram no grupo placebo ou entre os que receberam a droga”, escreveu a jornalista Gaspar.

Além do elevado número de mortes constatado no estudo, outras inconsistências foram identificadas não só por pesquisadores, mas também pela Conep.

As inconsistências não interferiram apenas no planejamento da Kintor. Levaram também o infectologista Ricardo Shobie Diaz, da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), a desistir de coordenar um dos grupos dessa nova pesquisa. “Fui orientado a não assumir o trabalho de fase 3 porque não havia garantias de que os dados de fase 2 (no Amazonas) estavam corretos”, explicou Diaz.

Os indícios de irregularidades ainda levaram dois grandes laboratórios farmacêuticos, a Aché e a Eurofarma, a recusarem uma parceria com os autores do estudo do Amazonas para viabilizar a proxalutamida no país, como mostrou o blog em abril. As mesmas lacunas foram repercutidas pela prestigiada revista científica Science no fim de junho.