Por Maurício de Novais Reis*
Variações sobre o Poder
Parte III – Certa ocasião, o líder político chinês Mao Tse-Tung expressou que “o poder nasce da ponta do cano de um fuzil”, talvez, numa referência à revolução comunista exitosa que culminou na fundação da República Popular da China, na qual seguramente os “canos de fuzis” mostraram-se irrefragavelmente úteis para garantir a tomada e manutenção do poder naquele país.
Todavia, estudos empreendidos pelas diversas áreas do conhecimento, incluindo a filosofia política, sociologia, ciência política e antropologia, vêm demonstrando que o poder está para o homem assim como o voo está para os pássaros. Nesta perspectiva, corroboraremos mais facilmente as palavras do líder chinês demonstrando evidências de que o poder político está intimamente associado ao poderio bélico de uma nação. Nesta perspectiva, faz-se necessário que aprofundemos o entendimento etimológico da palavra poder, posto que esse aprofundamento conceitual poderá revelar as intenções embutidas na fraseologia ora analisada.
A palavra poder vem do latim potere, significando “ser capaz de”. Refere-se fundamentalmente à capacidade de produzir determinados efeitos. Bertrand Russel definiu poder como a “capacidade de fazer os demais realizarem aquilo que queremos”. Destarte, podemos inferir que o poder permeia as relações humanas e que seus efeitos estão presentes tanto na autoridade exercida pelo Estado como no fascínio exercido pela beleza sobre os indivíduos, mas também na autoridade exercida pela religião ou mesmo por um indivíduo sobre outro. Quando um assaltante aborda um indivíduo, o assaltante exerce poder sobre este mediante ameaça de violência. Refletindo acerca do poder, especificamente acerca da sua manifestação política, o sociólogo Max Weber expressou que o Estado tem o monopólio da violência legítima, confirmando o adágio hobbesiano que diz que “sem a espada, os pactos não passam de palavras sem força que não dão a mínima segurança a ninguém”.
Nesta perspectiva, a experiência política das relações internacionais tem demonstrado, lamentavelmente, a relevância desse pensamento expresso pelo comandante revolucionário chinês Mao Tse-Tung, bastando observarmos a posição ocupada pelos Estados Unidos. Por outro lado, as relações espúrias entre a administração pública e as empresas privadas (vide exemplo as empresas envolvidas nas irregularidades apontadas pela Operação Lavajato) tornaram a discussão acerca do poder ainda mais necessária.
Todavia, nos demais campos em que as relações de poder são analisadas, percebe-se, para além da relação de poder em si, as versões construídas com o fito de reagir a essas relações. Por isso em O Mal-Estar na Civilização, Freud argumenta que a passagem do homem de Ser da natureza para Ser da cultura (ou civilização) provocou imenso desconforto (mal-estar), isto é, o antagoismo intransponível entre o desejo de satisfação pulsional e as normas de convivência na civilização. Desta forma, para Freud, o indivíduo empreende, inconscientemente, tentativas de destruir a civilização a fim de retornar ao seu estado de natureza, no qual suas pulsões serão satisfeitas incondicionalmente, sem o remorso resultante da infração da norma que rege a vida em sociedade e, mais importante, sem o medo de ser aniquilado, enquanto indivíduo, pela coletividade.
Nesta perspectiva, o poder estatal apresenta-se como uma relação bipartida configurando-se enquanto interdito da satisfação pulsional e como inibição da realização dos desejos que não se ajustam às normas de vida em sociedade. Continua.
*Maurício de Novais Reis é Psicanalista, Especialista em Teoria Psicanalítica e Professor no Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa.