Eutanásia: uma reflexão (bio)ética

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Por Maurício de Novais Reis*

Na contemporaneidade a eutanásia é certamente uma temática cuja discussão coloca em evidência a validade dos valores morais e éticos que conduzem os indivíduos em suas decisões no percurso de vida. Aliás, qualquer decisão referente à vida ou à morte levanta questões inusitadas, debates acalorados e posicionamentos exacerbados. Todavia, um fator que precisa ser lembrado é que a discussão em torno da eutanásia não se refere somente à esfera das deliberações tocantes à soberania individual do sujeito, uma vez que se tornou elemento de discussão também nas instâncias políticas, administrativas e jurídicas dos Estados nacionais, tornando-se não somente uma prática que depende da deliberação exclusiva do indivíduo, mas antes uma política de Estado, constituindo aspecto relevante da legislação na maioria dos países do planeta.

Nesta perspectiva, faz-se necessário que se compreenda a etimologia do termo a fim de elucidar o real significado que o reveste. Para tanto, iniciaremos afirmando que a palavra eutanásia origina-se do idioma grego, sendo composta por dois vocábulos combinados, a saber, “eu”, que significa “bom” ou “verdadeiro” e “thanatos”, cujo sentido refere-se especificamente à ideia de morte. Assim, eutanásia teria o sentido de uma “boa morte”.

Já que a morte se apresenta como uma realidade indubitavelmente sombria, impreterível em si, mostrando-se obrigatória para todos os organismos vivos, não seria totalmente ilógico que os seres humanos, raciocinando acerca do próprio fenecimento, optassem por uma morte serena em detrimento de uma morte repleta de sofrimentos e agonias. Suetônio, poeta romano, relata que Augusto, imperador de Roma, sempre que informado que um amigo morreu serenamente, exclamava: “Que os deuses concedam, a mim e aos meus, uma eutanásia assim!”. Por outro lado, deve-se reconhecer prontamente que o sentido empregado pelo imperador romano não se coaduna, ipso facto, com o sentido assumido pelo vocábulo na contemporaneidade. Se no passado, a expressão eutanásia encerrava o sentido de morte serena (porém natural), na pós-modernidade o significado encerrado no termo é outro bastante diferente.

Na pós-modernidade utiliza-se a terminologia eutanásia significando basicamente “auxiliar um indivíduo em estado terminal a dar fim à vida para aliviá-lo do sofrimento insuportável”. Decerto que o significado assumido atualmente levanta questões nos campos bioético, religioso, médico e jurídico que devem ser examinadas na serenidade da racionalidade. Desta forma, surgem perguntas que dizem respeito a quem estaria preparado para prestar esse “auxílio” ao indivíduo. Médico? Líder religioso? Os tribunais devem decidir quais corpos continuam vivos biologicamente? O próprio sujeito acometido pelo sofrimento de uma doença incurável e terminal teria a serenidade necessária para decidir os rumos da própria vida ou morte?

As respostas parecem ser tantas quanto o número de cabeças a pensá-las. Mesmo assim, dentre as questões levantadas torna-se óbvio o poder que o Estado exerce sobre o indivíduo, posto que em considerável parte dos países do mundo a legislação proíbe terminantemente a prática da eutanásia. ‘O sagrado direito de morrer foi-nos interditado por esse pai despótico chamado Estado’, diria Freud, que morreu serenamente aos 83 anos de idade, auxiliado pelo seu médico.

*Maurício de Novais Reis é Psicanalista, Especialista em Teoria Psicanalítica e Professor no Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa.