Pesquisa recente identifica habitats únicos e ameaçados que precisam ser protegidos para que o Brasil alcance a meta 30×30 do Acordo de Biodiversidade
Um estudo científico publicado na revista Ocean and Coastal Research, da Universidade de São Paulo (USP), revela que habitats marinhos de extrema importância na região dos Abrolhos, no sul da Bahia, ainda carecem de proteção ambiental. Entre todos os habitats analisados, quatro estão quase integralmente fora de algum tipo de proteção. Apesar disso, eles concentram alta biodiversidade e desempenham papel relevante nos ciclos naturais de Abrolhos.
Esse é o caso, por exemplo, dos bancos de rodolitos, típicos do litoral brasileiro e que têm em Abrolhos sua maior área em todo o planeta. Essas formações, compostas por algas calcárias, têm papéis importantes como habitats para peixes recifais e corredores de migração entre recifes rasos e mais profundos. Ao funcionar como uma matriz migratória que conecta recifes costeiros rasos e mesofóticos, eles têm grande importância para o ciclo de vida de espécies de peixes recifais na região dos Abrolhos. Apesar disso, cerca de 96% estão fora das atuais áreas marinhas protegidas (AMPs) da região.
A situação é ainda mais preocupante com as buracas. Essas depressões na plataforma continental, formadas por processos geofísicos e biológicos, são estruturas únicas, conhecidas apenas na região dos Abrolhos. No entanto, encontram-se totalmente fora dos limites das atuais áreas protegidas.
A pesquisa, conduzida por mais de uma dezena de cientistas de diversas instituições brasileiras e que contou com o apoio institucional da Conservação Internacional (CI-Brasil) e do Instituto Baleia Jubarte, mapeou a distribuição de 546 espécies de peixes, invertebrados, cetáceos, aves marinhas e tartarugas marinhas para identificar as áreas de maior importância biológica. Um total de 134 espécies (24,5% das amostra) se enquadram nas categorias de ameaça (Quase Ameaçada, Vulnerável, Em Perigo ou Criticamente em Perigo). Ao cruzar informações sobre os limites das áreas de proteção com a prevalência de espécies em Abrolhos, o estudo identificou outros dois habitats com quase toda sua área desprotegida: os recifes profundos e os ambientes situados na quebra da plataforma continental – pontos em que a profundidade do oceano se altera abruptamente.
O estudo ganha relevância especial no momento em que o Brasil se aproxima de cumprir a meta 30×30 do Acordo de Biodiversidade, que prevê a proteção de 30% dos oceanos até 2030. Atualmente, o país já protege cerca de 26% de sua área oceânica. A pesquisa fornece embasamento científico para que essas novas áreas protegidas sejam estabelecidas em Abrolhos, considerada a região com a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul.
“Nossa análise fornece informações importantes para futuros exercícios de planejamento de conservação e destaca a necessidade urgente de ampliar a proteção de habitats marinhos de alta biodiversidade, não apenas para conservá-los mas também para manter serviços ecossistêmicos essenciais às populações da região dos Abrolhos”, explica Bruno Coutinho, Diretor de Gestão do Conhecimento da Conservação Internacional (CI-Brasil).
A região dos Abrolhos, que inclui o Banco de Abrolhos, o Banco Royal Charlotte, a Cadeia de Montanhas Submarinas Vitória-Trindade e as Ilhas Oceânicas de Trindade e Martin Vaz, abrange aproximadamente 893.000 km² de ambientes costeiros e marinhos, cobrindo uma das áreas mais extensas de importância biológica ‘Extremamente Alta’ dentre as Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade nas Zonas Costeiras e Marinhas do Brasil, conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente. A região inclui estuários, manguezais, bancos de rodolitos, montanhas submarinas, ilhas oceânicas e as maiores áreas de recifes de coral do Brasil que, juntos, formam um centro de biodiversidade marinha único no Atlântico Sul. Atualmente, apenas partes dos recifes rasos, fundos arenosos, manguezais e estuários da região estão relativamente bem representados nas áreas protegidas atuais, com vários habitats ainda amplamente desprotegidos (por exemplo, bancos de rodolitos, buracas e recifes mesofóticos).
Parcialmente isolada do Caribe pela pluma do Amazonas-Orinoco e separada da costa africana pelas vastas áreas oceânicas do Atlântico, a Costa Brasileira apresenta um alto grau de endemismo entre peixes e invertebrados. Suas zonas costeiras abrigam habitats extensos como faixas de manguezais, bancos de rodolitos, recifes de coral e costões rochosos, todos fornecendo serviços ecossistêmicos com importância econômica, ecológica e social crítica. Apesar dessa importância, a integridade dos habitats marinhos e costeiros brasileiros vem diminuindo nos últimos 50 anos. Recifes próximos à costa foram amplamente destruídos pela urbanização, poluição e sedimentação, e atualmente sofrem com os efeitos das mudanças climáticas. Além disso, a atividade pesqueira não regulamentada levou a numerosas reduções de estoques e à ‘pesca descendente na cadeia alimentar’ em múltiplas localidades costeiras. Tais impactos regionais e locais são ainda mais intensificados pelos impactos globais associados ao clima.
Embora cubra quase 26,5% da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira total, a atual rede de AMPs não atende aos objetivos globais de conservação, especialmente em termos de conectividade e representatividade ecológica, ou proteção da biodiversidade. As AMPs no Brasil estão distribuídas de forma desigual e largamente concentradas em áreas oceânicas desprovidas de habitats rasos, que é onde se encontra a maior concentração de espécies. Metade das ecorregiões marinhas brasileiras têm menos de 10% de sua área sob proteção.
Em escala global, quase 85% das espécies marinhas têm menos de 10% de sua área de distribuição dentro dos limites de AMPs, e mais de 97% das 17.348 espécies marinhas de peixes, mamíferos e invertebrados avaliadas têm menos de 10% de sua área coberta por áreas estritamente protegidas.
Sobre o estudo:
Título: “Marine biodiversity hotspots in the Abrolhos Region and Vitória-Trindade Seamount Chain, Brazil, with implications for conservation”
Autores: Guilherme Fraga Dutra, Lucas Pereira Santos, Bruno Henriques Coutinho, Akel Saliba, Maria Isabel Martinez Garcia, Miguel Mies, Eduardo Camargo, João Batista Teixeira, Adalto Bianchini, Flávia Guebert, Carlos Lacerda, Fábio Negrão, Ronaldo Bastos Francini-Filho
Publicação: Ocean and Coastal Research (Universidade de São Paulo), 2025
Parceiro estratégico
Desde 2009, a CI-Brasil é parceira da Alpargatas, por meio da marca Havaianas, para fortalecer a conservação marinha na costa brasileira, com foco na região de Abrolhos. Além do apoio a ações de proteção ambiental, a colaboração também promove a conscientização do público ao estampar espécies da fauna marinha nas sandálias comercializadas pela marca.
Ao longo destes anos, a parceria gerou impactos significativos, como a proteção de cerca de 380 mil hectares de ecossistemas marinhos e costeiros em Abrolhos, o fomento ao uso sustentável dos recursos naturais em reservas extrativistas que beneficiam milhares de famílias e o incentivo a práticas de pesca sustentável. Informações para a imprensa / AViV Comunicação