Entre a civilidade e a barbárie

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Decifrar o ser humano será eternamente uma tarefa impossível. As clássicas perguntas que circundam a nossa existência, tipo: o que somos? De onde viemos? Para onde vamos? Ainda reinam e acredito que permanecerão sem respostas por muito tempo, se que é um dia conseguiremos encontrar alguma.

Mas independentemente deste mar de dúvidas, algumas conclusões nós já temos. Sabemos que somos animais possuidores de racionalidade, que temos habilidades múltiplas, que vivemos e dependemos da sociedade, pois somos seres sociais; enfim, somos seres emotivos, efetivos e pensantes.

Sabe-se também que inúmeras teorias, desde Aristóteles e que vêm ultrapassando os séculos defendem que o ser humano quando educado se torna o melhor dos animais, mas quando acontece o contrário, faltando-lhe a educação ele se torna o pior dos animais.

Para o filósofo Sartre somos movidos pelas nossas escolhas. Se for verdade seu pensamento, podemos escolher ser educadas ou mal-educados. Como vivemos em uma dita democracia, depositamos em nossos representantes legais um pouco da condução das nossas escolhas. Neste sentido, o desenvolvimento de políticas públicas pode levar os membros da sociedade a seguirem um destes caminhos.

E o que percebemos é que a educação não é e nunca foi uma prioridade das políticas públicas, fala-se muito, age-se pouco. Tratamos a educação como algo constitucionalmente obrigatório, pois é lei, mas não damos a ela o seu devido valor, que é tornar o ser humano um ser consciente, um ser melhor, preparado para viver em sociedade.

Na prática, a grande maioria dos brasileiros convive com uma péssima educação, que exclui, que não educa, que não ensina, que não permite que nada que foi citado no parágrafo anterior de fato aconteça. E o resultado de tudo isto? Um ingrediente a mais para a barbárie.

O que estamos presenciando nos últimos meses na nossa nação significa puramente a confirmação destas teorias. Para ilustrar, basta analisar o campo de batalha que se tornou o Estado do Espírito Santo, os presídios de Natal, e a pior de todas muito pouco falada, a guerra civil silenciosa (batalha entre torcidas, tráfico de drogas, saques, arrastões, crime organizado, violência contra mulher, crianças…) que há anos nos acompanha sendo mostrada pelos dados estatísticos.

Como o Estado não favorece à educação, no sentido pleno da expressão, pois cabe a ele esta prerrogativa enquanto ser organizador da nação, ele tenta se tornar presente pela sombra da repressão, mesmo que de forma velada. Bastou a presença repressiva do Estado não se fazer presente e o caos se instalou. Pois não é possível acreditar na justificativa do caos pela ausência da polícia. Haja vista que, em países onde a educação acontece de fato, os presídios são fechados pela simples constatação da falta de prisioneiros. Nestes países os presídios fechados se transformam em locais de fomento às atividades culturais.

Aqui, nossa realidade revela o nosso lado mais sombrio, mais triste. Revela que somos mal-educados, que agimos como o pior dos animais; revela que o Estado é um órgão inoperante em seu verdadeiro papel; revela que o Estado prefere continuar enganando a população, dizendo que vai criar um plano de segurança pública; revela que o Estado prefere criar cadeias, presídios, manter uma sociedade baseada no crime, do que transformá-la em uma sociedade de pessoas descentes, do bem, educada; revela um Estado covarde com a sua própria corporação policial presente em cada Estado da Federação, pois eles são os braços do Estado e ao mesmo tempo são servidos como “boi de piranha” nesta bagunça chamada Constituição Federal nos seus mais diversos códigos.

E a população? Pelo que se percebe, prefere continuar sendo e pensando como a coitadinha, como diria o cantor Zé Geraldo, “vendo tudo isto acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos”. E ao mesmo tempo incapaz de refletir sobre si mesma, pois o que é oferecida a ela, pelo Estado, na verdade tira da população a sua maior qualidade, que é a capacidade de pensar. E não pensando a barbárie será sempre a nossa maior companheira ou a única saída. Pelo visto, entre a civilidade e a barbárie, nossa escolha, enquanto sociedade, ainda está sendo pela barbárie.

Por Walber Gonçalves de Souza é professor e membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni.