Dados mostram que imunização não pode levar ao relaxamento do isolamento. País tem recordes de casos e hospitais superlotados, apesar de já ter vacinado 30% de sua população; confinamento mais rígido nesta semana afetará 70% dos chilenos

A campanha de imunização do Chile contra a Covid-19 é inegavelmente veloz: 30% da população já receberam ao menos uma dose da vacina. Em termos percentuais, o país fica atrás apenas de Israel, Seychelles, Emirados Árabes Unidos e Mônaco. Apesar dos 5,6 milhões de inoculados, no entanto, o Chile atravessa um de seus momentos mais críticos da pandemia, ponderando até mesmo o adiamento das esperadas eleições de abril para a Assembleia Constituinte.As razões para o contraste são complexas, passando pelo relaxamento das restrições, pelo otimismo da população com a vacina e por políticas públicas criticadas por especialistas. Santiago lança um alerta para o resto do continente de que, mesmo com a vacinação em curso, é necessário respeitar as diretrizes sanitárias.
Por mais acelerada que esteja, a campanha de vacinação chilena não está perto da imunização em massa, que no caso da Covid-19 estima-se que ocorra quando mais de 70% da população estiver inoculada. Ela ajuda na redução das internações e das mortes, mas ainda pouco faz sozinha para reduzir o contágio. Para María Soledad Martínez Gutiérrez, professora da Universidade do Chile, a estratégia comunicacional do governo Piñera colabora para o contraste:
Há uma série de fatores que explicam o agravamento da crise, impulsionado pelas novas cepas mais contagiosas. Dois deles são evidentes no aniversário de um ano da pandemia: o cansaço natural da população com as restrições e a necessidade do retorno ao trabalho presencial em um país onde mais de 40% da população está empregada no setor informal, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho.
O alívio das restrições durante os meses de verão, reconheceu inclusive o Ministério da Saúde, foi outro fator de agravamento da pandemia. Durante as férias, algo entre 4 e 5 milhões de pessoas se movimentaram para regiões de balneário que hoje se tornaram pólos da doença.
A imunização acelerada é um mérito do governo, ainda mais evidente diante de outros países latino-americanos: apenas 5,58% dos brasileiros e 5,56% dos argentinos receberam ao menos uma dose da vacina contra a Covid-19. O Chile saiu na frente ainda durante as negociações, em março e abril de 2020, quando buscou garantir um leque extenso e variado de vacinas antes mesmo que sua eficácia fosse comprovada. Para isso, não se ateve às preferências geopolíticas, recorrendo a todos os lados possíveis.
Até o momento, o Chile assegurou o dobro de doses suficientes para vacinar sua população inteira — algo que muitos criticam por limitar o acesso de outros países. Segundo dados do início do mês, o país comprou 10 milhões de doses da Pfizer/BioNTech e até 4 milhões da AstraZeneca/Oxford e da Janssen. A elas, somam-se mais 7,6 milhões da Covax, iniciativa multilateral para garantir inoculantes para as nações mais pobres e em desenvolvimento. Há ainda negociações para adquirir doses da russa Sputnik e da sino-canadense CanSino.
A principal aposta, no entanto, foi na SinoVac, facilitada por acordos preexistentes entre a prestigiosa Universidade Católica do país e o laboratório. No domingo, desembarcou em Santiago o sexto carregamento da vacina, elevando o total de doses já entregues para 12 milhões. O Chile deverá receber 20 milhões de doses do imunizante chinês neste ano e mais 20 milhões anuais até 2024.
Além de comprar as doses, o governo chileno se assegurou de que elas chegariam rapidamente no braço das pessoas. Há postos em shoppings, clínicas e estádios e um registro nacional unificado, que facilita o controle. A campanha também tem um cronograma organizado e de abrangência nacional, que prioriza certos grupos e faixas etárias de acordo com o dia da semana. A protagonista, contudo, é a eficiência da rede de saúde primária do país:
Para a professora, o sucesso também é explicado pela confiança das autoridades e da população na ciência, o que facilita passar uma mensagem coesa:
— O movimento antivacinas não é popular no Chile, não tem muita importância — afirmou Martínez. — Não há partidos se posicionando contra as vacinas ou contra medidas efetivas de segurança, como as máscaras. Todo o espectro político esteve de acordo.
Eleições em abril
Na quarta, o Senado e o Executivo chileno realizarão ainda uma sessão conjunta para discutir como proceder nas eleições de 10 e 11 de abril, quando a população escolherá os constituintes, além de governadores e prefeitos. A redação da nova Carta foi decidida em um histórico plebiscito do ano passado, convocado diante dos protestos contra a desigualdade que explodiram em 2019.
Para adiar o pleito, seria necessária uma reforma constitucional com quórum de dois terços. Segundo o jornal La Tercera, o governo de Sebastián Piñera não tem intenções de postergá-lo neste momento, discutindo maneiras de torná-lo mais seguro. Ainda assim, sonda dirigentes políticos nos bastidores para apurar o apoio a uma eventual mudança. Por Ana Rosa Alves / O Globo