Empreendedorismo malandro

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Por Roberio Sulz*
Zeca, Loro e Tiba, amigos inseparáveis. Trabalhavam em Copacabana e moravam em Madureira. Regularmente, deslocavam-se em dupla ou na trinca completa, para, sob prosa, matar o tempo de viagem.
Zeca era cumin (auxiliar de garçom) num restaurante chique. Tinha uma boa conversa. Conhecia muita gente pelo nome e pela aparente conta bancária. Compartilhava dos dez por cento obrigatório em cada conta. Às vezes, era agraciado com uns trocados a mais deixados especialmente em sua mão. Faturava cerca de quatro salários-mínimos por mês. O que lhe era suficiente para manter a esposa, mais um filho pequeno.
Loro, motorista profissional, trabalhava no mesmo restaurante como manobrista. Amealhava um pouco menos que Zeca. Porém, solteiro, tinha mais folga financeira.
Tiba era o melhor de vida dos três. Chegou a quase gerente de uma loja de antiguidades. Manjava medianamente daquele tipo de negócio. Levava jeito para falar sobre certas peças e seus antigos proprietários. Quando necessário resgatava – verdadeira ou improvisadamente – episódios históricos para valorizar a antigualha sob venda. Gozava de plena confiança do patrão. Sozinho, mantinha a loja aberta até altas horas para pescar os endinheirados que vagavam pela noite. Habilidoso no pincel e na espátula corrigia pequenos danos nas peças afetadas.
Todos três, um após o outro, foram vitimados pelo desemprego. Receberam o FGTS e parcelas indenizatórias trabalhistas. O longo tempo trabalhado rendeu até uma boa grana para cada um.
Para não perder o costume, continuavam a pegar o mesmo trem às quatro da tarde em Madureira, e, da estação da Central, chegavam a Copacabana antes do sol se pôr, em ônibus da antiga Linha 12 (Praça General Osório-Estrada de Ferro).
Gastavam o tempo andando e olhando cuidadosamente o movimento comercial dos diversos estabelecimentos. No final das andanças, sentavam-se para avaliar as observações. Enquanto sorviam chope, faziam conjecturas sobre que tipo de comércio poderia juntar em promissora sociedade.
Certo dia, notaram que a loja onde Tiba trabalhara estava liquidando o estoque para fechar as portas. O proprietário, sr. Abdon, já idoso e adoentado, resolvera retirar-se do comércio e alugar o ponto. Animados por Tiba, aventaram a possibilidade de negociar a continuidade daquele estabelecimento, contando com a experiência do colega no ramo. Fizeram as contas, somando as reservas financeiras de cada um. Do total, Tiba tinha mais da metade, Loro e Zeca juntos a outra metade. Chamaram sr. Abdon a uma conversa voltada para a possiblidade de negócio. O valor pedido pelo empreendimento era exatamente o dobro das reservas apuradas pelos três. O aluguel parecia impossível de ser pago.
Loro, que já experimentara sociedade num comércio de compra e venda de veículos usados, acumulava mais experiência em negociação. Levava jeito para tocar a conversa, equacionar os interesses das partes e trazê-las a bom termo.
Para resumir, acertaram os valores e assumiram o antiquário, com a mesma razão social, participação minoritária do antigo dono, a título de aluguel, e comprometimento de rendimentos difíceis de se atingir. Como se não bastassem essas preocupações, tomaram um empréstimo bancário para capital de giro.
Tiba conhecia Moab, o costumeiro restaurador das antiguidades da loja. Sabia que ele além de restaurar também usava inéditas técnicas de envelhecimento para peças novas. Era, isto sim, um restaurador-envelhecedor. De confiança do grupo e fiel companheiro de copo e botequim. Muitas peças vendidas expostas na loja como antigas, na verdade, eram envelhecidas “na marra” por Moab. Principalmente louças e cerâmicas.
O comércio de falsas antiguidades, misturadas às verdadeiras e a um pequeno brechó, tocado com a lábia de Zeca, logo gerou vantajosos lucros. Alavancou rapidinho o empreendimento. Melhorou, ainda mais, quando a trinca decidiu montar, em Madureira, no quintal de Loro, uma secreta “fábrica de antiguidades”. Moab era o artesão. Bebia como uma esponja, mas ninguém como ele sabia produzir santuários de madeira de demolição e imagens religiosas barrocas. Eram as peças mais procuradas. Mas, não faltavam sofás do tipo “namoradeira”, poltronas, luminárias, lanternas a querosene e tantos outros objetos do desejo consumista da classe que não sabe onde gastar dinheiro.
Já estavam bem estabelecidos, pagando aluguel sem a necessária participação societária do sr. Abdon, quando Moab, o mestre da fábrica de antiguidades, veio a falecer, vítima de cirrose hepática.
Fecharam a fábrica e conceberam uma nova loja, mais ampla, em outro local, com novo visual e estoque de antiguidades legítimas e confiáveis. Um bom quadro de funcionários, permitiu-lhes organizar e treinar equipes de busca e compra de antiguidades no interior de São Paulo, Rio e Minas.
Zeca, Loro e Tiba, com o tempo, também aprenderam e acumularam bons conhecimentos sobre arte e antiguidades.
*Roberio Sulz é biólogo, biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected]