Aplicações práticas do processo, contudo, ainda devem demorar muito tempo para serem implementadas
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Técnico avalia um equipamento no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, nos EUA, especializado em pesquisa nuclear. Imagem é de 2012. — Foto: Damien Jemison/Lawrence Livermore National Laboratory via AP
O processo é chamado pelos físicos de “ignição da fusão nuclear”.
O anúncio desta terça-feira (13) é visto como um marco histórico para a física e para a produção de energia de fontes limpas. Ainda que o experimento seja de baixa escala e os resultados práticos ainda demorem para aparecer, ele é significativo pelos seguintes motivos:
- A fusão nuclear é um processo que não produz resíduos radioativos nem elementos poluentes quando realizada em ambientes controlados;
- Ela é o “oposto” da fissão nuclear, que atualmente alimenta as altamente radioativas usinas nucleares. A expectativa é que a fusão tenha baixo impacto no meio ambiente quando usada em escala comercial;
- Isso ocorre porque a radioatividade de um futuro reator de fusão pode alcançar níveis seguros ao fim de algumas décadas, em vez de alguns milhares de anos, como é o caso do combustível usado na fissão;
- Assim, a energia baseada em fusão nuclear é tida como uma aposta importante frente às mudanças climáticas, visto que essa seria uma fonte inesgotável de energia limpa que não polui a atmosfera;
- As aplicações disso tudo, porém, ainda precisam ser bastante estudadas. Alguns cientistas, por exemplo, acreditam que levaríamos décadas para a produção de um reator comercial baseado em fusão nuclear.
O experimento bem-sucedido foi divulgado pela secretária de Energia dos EUA, Jennifer Granholm, juntamente com representantes da Administração Nacional de Segurança Nuclear (NNSA) e do Laboratório Nacional Lawrence Livermore (LLNL), um centro de pesquisa em energia nuclear do país.
Os envolvidos definiram o feito como um “grande progresso científico em desenvolvimento”.
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Ao centro, a secretária de Energia dos EUA, Jennifer Granholm, faz o anúncio em uma coletiva de imprensa junto com representantes da Administração Nacional de Segurança Nuclear (NNSA) e do Laboratório Nacional Lawrence Livermore (LLNL), um centro de pesquisa em energia nuclear do país. — Foto: AP Photo/J. Scott Applewhite
Chaleira na ignição da fusão nuclear
O sucesso com a “ignição da fusão nuclear” foi obtido em 5 de dezembro da seguinte forma:
- Os 192 gigantescos lasers de altíssima potência usados pelo laboratório foram apontados para um pequeno ponto do tamanho de uma pipoca.
- O impacto dos lasers e a fusão dos átomos alcançada geraram, por um brevíssimo momento, cerca de 2,5 megajoules de energia.
- O valor seria suficiente apenas para esquentar uma chaleira, explica Gustavo Canal, do Departamento de Física Aplicada da USP (que não teve relação com a pesquisa).
- Segundo o National Ignition Facility, como apenas 2,1 MJ foram usados pelos lasers para atingirem o grão, um ganho de 0,4 MJ de energia foi atingido.
- A secretária de Energia dos EUA, Jennifer Granholm, disse que o feito “desencadeará ainda mais descobertas”.
“Apesar de parecer pequeno, esse ganho demonstra que é tecnicamente possível extrair mais energia do sistema do que se usa para manter o plasma quente (onde ocorrem as reações nucleares)”, afirma o físico Gustavo Canal.
O desafio de colocar o Sol na garrafa
Luis Guimarais, PhD em Fusão Nuclear pelo Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, explicou ao g1 que, enquanto a fissão que é utilizada nas usinas atuais é um processo fácil de controlar, as condições necessárias para ocorrer fusão de forma controlada são extremamente difíceis de seriam realizadas em laboratório.
Isto ocorre porque a fissão é o processo oposto da fusão.
Neste último, o que ocorre é um “cozimento” (fusão) de núcleos de elementos químicos leves como o hidrogênio, que se combinam para formar um outro produto, o hélio.
“A fusão nuclear é o processo que alimenta as estrelas”, explica Luis.
Ele conta que esse processo ocorre naturalmente em astros como o nosso Sol.
Já na fissão, elementos pesados quebram-se espontaneamente em elementos mais leves (como por exemplo, Urânio que quebra para gerar Bário e Krypton).
“O desafio tecnológico de fazer um reator de fusão é muitas ordens de grandeza superior ao de fazer um reator de fissão. Estamos a tentar ‘recriar o Sol numa garrafa’, só que não sabemos ainda desenhar essa garrafa”, compara o físico Luis Guimarais.

Caso seja possível algum dia recriar esse Sol engarrafado, os defensores da energia baseada em fusão nuclear acreditam que teríamos uma fonte inesgotável e limpa de energia.
“Estamos muito longe de um reator comercial de fusão, mas o problema agora deixa de ser um problema de física e torna-se um problema de engenharia”, celebra Luis.
O professor português resume o dilema em uma analogia simples. “Ficamos a saber como funciona o relógio a corda, mas ainda não sabemos como construir as engrenagens com a precisão suficiente”. Por Roberto Peixoto, g1