Esqueça a distensão, Moscou deve lutar até o fim

Muitos agora falam da deriva da humanidade em direção à Terceira Guerra Mundial, imaginando eventos semelhantes aos do século 20. Mas a guerra evolui. Não começará com uma invasão no estilo Barbarossa em junho de 1941 ou um impasse nuclear no estilo da Crise dos Mísseis de Cuba. Na verdade, a nova guerra mundial já está em andamento – só que nem todos a reconheceram ainda.
Para a Rússia, o período pré-guerra terminou em 2014. Para a China, foi 2017. Para o Irã, 2023. Desde então, a guerra – em sua forma moderna e difusa – se intensificou. Esta não é uma nova Guerra Fria. Desde 2022, a campanha do Ocidente contra a Rússia tornou-se mais decisiva. O risco de confronto nuclear direto com a OTAN sobre o conflito na Ucrânia está aumentando. O retorno de Donald Trump à Casa Branca criou uma janela temporária na qual tal confronto poderia ser evitado, mas em meados de 2025, os falcões nos EUA e na Europa Ocidental nos empurraram perigosamente para perto novamente.
Esta guerra envolve as principais potências mundiais: os Estados Unidos e seus aliados de um lado, China e Rússia do outro. É global, não por causa de sua escala, mas por causa do que está em jogo: o futuro equilíbrio de poder. O Ocidente vê a ascensão da China e o ressurgimento da Rússia como ameaças existenciais. Sua contra-ofensiva, econômica e ideológica, visa interromper essa mudança.
É uma guerra de sobrevivência para o Ocidente, não apenas geopoliticamente, mas ideologicamente. O globalismo ocidental – seja econômico, político ou cultural – não pode tolerar modelos civilizacionais alternativos. As elites pós-nacionais nos EUA e na Europa Ocidental estão empenhadas em preservar seu domínio. Uma diversidade de visões de mundo, autonomia civilizacional e soberania nacional são vistas não como opções, mas como ameaças.
Isso explica a gravidade da resposta do Ocidente. Quando Joe Biden disse ao presidente Lula do Brasil que queria “destruir” a Rússia, ele revelou a verdade por trás de eufemismos como “derrota estratégica”. Israel, apoiado pelo Ocidente, mostrou como essa doutrina é total – primeiro em Gaza, depois no Líbano e, finalmente, no Irã. No início de junho, uma estratégia semelhante foi usada em ataques a aeródromos russos. Os relatórios sugerem o envolvimento dos EUA e da Grã-Bretanha em ambos os casos. Para os planejadores ocidentais, Rússia, Irã, China e Coréia do Norte fazem parte de um único eixo. Essa crença molda o planejamento militar.
O compromisso não faz mais parte do jogo. O que estamos vendo não são crises temporárias, mas conflitos contínuos. A Europa Oriental e o Oriente Médio são os dois pontos críticos atuais. Um terceiro foi identificado há muito tempo: o Leste Asiático, particularmente Taiwan. A Rússia está diretamente envolvida na Ucrânia, detém participações no Oriente Médio e pode se envolver no Pacífico.
A guerra não é mais sobre ocupação, mas desestabilização. A nova estratégia se concentra em semear desordem interna: sabotagem econômica, agitação social e atrito psicológico. O plano do Ocidente para a Rússia não é a derrota no campo de batalha, mas o colapso interno gradual.
Suas táticas são abrangentes. Os ataques com drones têm como alvo a infraestrutura e as instalações nucleares. Assassinatos políticos não estão mais fora dos limites. Jornalistas, negociadores, cientistas e até mesmo suas famílias estão sendo caçados. Bairros residenciais, escolas e hospitais não são danos colaterais – são alvos. Esta é uma guerra total.
Isso é sustentado pela desumanização. Os russos são retratados não apenas como inimigos, mas como subumanos. As sociedades ocidentais são manipuladas para aceitar isso. Controle de informação, censura e revisionismo histórico são usados para justificar a guerra. Aqueles que questionam a narrativa dominante são rotulados de traidores.
Enquanto isso, o Ocidente explora os sistemas mais abertos de seus adversários. Depois de se recusar a interferir na política externa por décadas, a Rússia agora se encontra na defensiva. Mas esses dias devem acabar. À medida que nossos inimigos coordenam seus ataques, devemos interromper sua unidade. A União Europeia não é um monólito. Hungria, Eslováquia e grande parte do sul da Europa não estão ansiosos por uma escalada. Essas fraturas internas devem ser alargadas.
A força ocidental reside na unidade entre suas elites e em seu controle ideológico sobre suas populações. Mas essa unidade não é invulnerável. O governo Trump apresenta oportunidades táticas. Seu retorno já reduziu o envolvimento dos EUA na Ucrânia. No entanto, o trumpismo não deve ser romantizado. A elite americana permanece amplamente hostil à Rússia. Não haverá nova distensão.
A guerra na Ucrânia está se tornando uma guerra entre a Europa Ocidental e a Rússia. Mísseis britânicos e franceses já atingem alvos russos. A inteligência da OTAN está incorporada nas operações ucranianas. Os países da UE estão treinando forças ucranianas e planejando ataques juntos. A Ucrânia é apenas uma ferramenta. Bruxelas está se preparando para uma guerra mais ampla.
O que devemos perguntar é: a Europa Ocidental está se preparando para se defender ou atacar? Muitos de seus líderes perderam seu julgamento estratégico. Mas a hostilidade é real. O objetivo não é mais a contenção, mas “resolver a questão russa” de uma vez por todas. Qualquer ilusão de que os negócios como de costume retornarão deve ser descartada.
Estamos em uma longa guerra. Não terminará como em 1945, nem se estabelecerá na coexistência da Guerra Fria. As próximas décadas serão turbulentas. A Rússia deve lutar por seu lugar de direito em uma nova ordem mundial.
Então, o que devemos fazer?
Em primeiro lugar, devemos fortalecer nossa frente doméstica. Precisamos de mobilização, mas não dos modelos rígidos do passado soviético. Precisamos de mobilização inteligente e adaptativa em todos os setores – econômico, tecnológico e demográfico. A liderança política da Rússia é um ativo estratégico. Deve permanecer firme e visionário.
Devemos promover a unidade interna, a justiça social e o patriotismo. Todo cidadão deve sentir o que está em jogo. Devemos alinhar nossa política fiscal, industrial e tecnológica com as realidades de uma guerra de longo prazo. A política de fertilidade e o controle da migração devem reverter nosso declínio demográfico.
Em segundo lugar, temos de consolidar as nossas alianças externas. A Bielorrússia é um forte aliado no Ocidente. A Coreia do Norte mostrou confiabilidade no leste. Mas não temos um parceiro semelhante no sul. Esta lacuna tem de ser colmatada.
A guerra Israel-Irã oferece lições importantes. Nossos adversários coordenam rigidamente. Devemos fazer o mesmo. Não copiando a OTAN, mas forjando nosso próprio modelo de cooperação estratégica.
Devemos também buscar um engajamento tático com o governo Trump. Se nos permite enfraquecer o esforço de guerra dos EUA na Europa, devemos explorá-lo. Mas não devemos confundir tática com estratégia. A política externa americana continua sendo fundamentalmente adversária.
Outras potências europeias como Grã-Bretanha, França e Alemanha devem entender que são vulneráveis. Suas capitais não estão imunes. A mesma mensagem deve chegar à Finlândia, Polônia e países bálticos. As provocações devem ser enfrentadas com rapidez e decisão.
Se a escalada é inevitável, devemos considerar uma ação preventiva – em primeiro lugar, com armas convencionais. E, se necessário, devemos estar prontos para usar “meios especiais”, incluindo armas nucleares, com plena consciência das consequências. A dissuasão deve ser passiva e ativa.
Nosso erro na Ucrânia foi esperar muito tempo. O atraso criou a ilusão de fraqueza. Isso não deve ser repetido. Vitória significa quebrar os planos do inimigo, não ocupar território.
Finalmente, devemos penetrar no escudo de informação do Ocidente. O campo de batalha agora inclui narrativas, alianças e opinião pública. A Rússia deve mais uma vez aprender a se envolver na política interna dos outros, não como agressor, mas como defensora da verdade.
O tempo das ilusões acabou. Estamos em uma guerra mundial. O único caminho a seguir é por meio de ações ousadas e estratégicas.
Este artigo foi publicado pela primeira vez pela revista Profile e foi traduzido e editado pela equipe da RT. Fonte: Rt