Por Roberio Sulz*
Os recém-premiados com Nobel de Física ratificaram a inegável concepção de que o universo faz transitar permanentemente seus corpos em velocidade cada vez maior como resultado de sua expansão radial. Nosso planeta Terra assim como nós e os demais seres nela embarcados vamos juntos nessa viagem. Portanto, em qualquer espaço de tempo, nunca repetimos estar no mesmo lugar, ainda que, tendo a Terra como referência, achemos estar a repetir atos e lugares. Acredite se quiser: nem mesmo os postes estão no mesmo lugar depois de qualquer tempo.
É razoável pensar que essa dinâmica invisível e aparentemente não sentida explique a evolução que nos modifica naturalmente a cada dia e dela somos agentes alteradores de nossa percepção, seja cultural, racional, compreensiva e operacional.
Porém, a gratificante sensação de estarmos inclusos e embalados nesse gigantesco berço sideral não consegue chegar aos idiotas, aboletados nas carroças da ignorância que insistem em arrepiar o bom senso aplicando rasteiras e tropeços na obviedade. Esses mentecaptos – muitos ainda pensam e proclamam que a Terra é um plano – insistem em controlar o comportamento humano pela imposição de penas ao cidadão que variam desde a condenação à morte, passando por dolências e desmoralizações até as multas exorbitantes, cujo objetivo é avariar a felicidade do condenado. Geralmente as ferramentas de controle comportamental, mesmo as modernas, não diferem muito das inventadas pelos brucutus nos átrios das cavernas.
A verdade que não se prima pela criatividade para achar no comportamento natural alternativas às penas e castigos tradicionais como matar, prender, imobilizar, torturar, sufocar desejos e pensamentos, desmoralizar, confiscar patrimônio e ganhos conseguidos com esforço e suor e outras infelizmente aperfeiçoadas para serem mais duras, dolorosas e mais doídas. Bem que tais instrumentos ferinos já deveriam estar superados e aposentado, pois que se justificam apenas pela pobreza criativa e preguiça racional dos mentores do controle comportamental.
Até que por exceção se fala em estimular a alegria da prevenção para evitar a dor da penalização, mas isso fica só no discurso. No fundo, as sociedades nunca desaprenderam de prender e de matar quem derrapa no presumido bom comportamento. Daí, a absurda expansão das cadeias, dos tipos de multas, da disfarçada ou não desmoralização pública, da produção de folhas corridas, “fichas sujas” e dos registros de inadimplência. Tudo isso em velocidade bem maior que a implantação de políticas, educandários ou instituições de valorização da pessoas, da vida e da salutar convivência social.
Mesmo as escolas, onde se espera ocorrer o encorajamento às boas relações e aplique como regra maior a premiação, ainda se abusa dos processos punitivos como ferramenta de controle comportamental. A palmatória – lembremo-nos – foi até metade do século passado de uso corriqueiro até se transformar em ícone da punição, além, é claro, de castigos torturantes e desmoralizantes como ficar de joelhos desnudos no sal grosso, nos grãos de milho etc. à frente dos colegas de sala.
Mas, se tais penas foram, por justiça, suprimidas do cardápio escolar, restou uma pior que todas: a reprovação.
O sangue no joelho, a reguada nas costas, a palmatória, até a reprimenda pública desmoralizadora são coisas que doem mas podem ser superadas num curto espaço de tempo. Porém, nada machuca tanto como repetir um ano escolar a título de penalidade por não demonstrar a velocidade esperada de aprendizagem em determinada matéria. Ainda assim, essa cruel penalidade é aplicada amplamente como forma de provar que a instituição de ensino é disciplinarmente rígida e merecedora de elogios. Pouco ou quase ninguém se dá conta de que a reprovação, no fundo, demonstra a incompetência profissional do professor que não conseguiu estimular o aluno a aprender, e da escola que não saiu do atraso pedagógico sem inovar seu processo educacional para, no mínimo, respeitar as velocidades individuais de aprendizagem.
Além disso, o formato de se ter um professor à frente de alunos enfileirados dentro de sala geralmente mal iluminada, abafada e impedidos de manifestar é a mais nítida reprodução do formato de escola nascido nas cavernas. Bem que o filósofo Platão tentou modificar essa asneira, introduzindo sessões de aprendizagem ao ar livre e com liberdade de manifestação. Mas, não colou porque se perdia o comando no controle comportamental, a força da punição e do punidor.
Pois é. Lamentavelmente, vivemos em sociedades, notadamente no Brasil, que só sabem punir, em nome de uma governança: prender, multar, desmoralizar, discriminar, alijar, praticamente sem viés para o preparo da vida em comum visando a saborear paz e harmonia.
Um típico exemplo disso recente é a norma que penaliza com pesadas multas o motorista flagrado transportando alguém e sendo recompensado financeiramente por isso. Nesse caso, por que, ao invés de multa, não oferecer a esse motorista a oportunidade de se legalizar ou até de participar de reuniões com técnicos que esclareçam as vantagens dessa legalização?
A criação de aplicativos tipo UBER representa um bom passo para se ampliar a oferta de mobilização sem reserva de mercado nem muita burocracia.
Por que manter presos com elevados custos de manutenção e degradação social os condenados por corrupção e apropriação indevida de recursos públicos ou privados? Esses malfeitores deveriam, ao invés da cadeia, ter seus movimentos restritos e confiscados todos seus bens até que reponha com as justas correções todo o montante furtado, mesmo que nada mais lhe sobre que a roupa do corpo.
Prisão e morte não fazem sentido na maioria dos casos em que se aplica!
*Roberio Sulz é biólogo, biomédico e professor com licenciatura plena em Ciências Biológicas pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. Membro correspondente da ALAS – Academia de Letras e Artes do Salvador. [email protected]