Apenas Turquia está à frente em ranking que mede desconforto socioeconômico. É o pior resultado desde 2016
Rio – A combinação de desemprego recorde e inflação alta levou o Brasil a ocupar a segunda pior posição no índice de mal-estar, que inclui 38 nações, entre países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Brasil como convidado. É o que revela levantamento realizado pelo pesquisador Daniel Duque, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), antecipado ao GLOBO.
Dados do IBGE e da OCDE reunidos pelo pesquisador mostram que a taxa de desconforto no Brasil chegou a 19,83% no primeiro trimestre de 2021 e só perde para a Turquia, cuja última taxa registrada se refere ao quarto trimestre de 2020, quando chegou a 26,27%.
Em seguida, aparecem a Espanha (16,09%), Colômbia (15,63%), Grécia (14,08%) e Chile (13,42%). Quanto mais alto for esse percentual, pior é a taxa de mal-estar de um país.
O índice de mal-estar ou taxa de desconforto – em inglês, chamada de misery index – une a situação do mercado de trabalho ao comportamento dos preços. O indicador é utilizado por economistas por duas razões: de um lado, a literatura econômica compreende que uma boa gestão macroeconômica deve ser capaz de minimizar a taxa de desemprego e inflação. Do outro, o índice permite avaliar como o cidadão médio sente os efeitos da economia ao longo do tempo, já que concentra dois indicadores sensíveis ao cotidiano da população.
No Brasil, especificamente, os cidadãos estão com a pior percepção sobre a situação econômica desde a recessão de 2016, quando o indicador chegou a 20,60% no terceiro trimestre daquele ano. Entre 2017 e meados de 2020, a taxa de desconforto chegou a cair para 15,32%, mas voltou a acelerar no ano passado e atingiu 19,83% no primeiro trimestre deste ano.
O cálculo é feito a partir da soma da taxa de desemprego à inflação em doze meses. Neste caso, foi considerada uma média trimestral da inflação e do desemprego. No Brasil, segundo o IBGE, a taxa de desemprego chegou a 14,49% em março, enquanto a inflação pelo IPCA foi de 6,10% em doze meses.
Duque explica que houve uma piora tanto no mercado de trabalho quanto na inflação em meio à pandemia. Segundo o IBGE, 29,7% da força de trabalho do país está subutilizada: são pessoas que estão desempregadas, desalentadas ou trabalhando menos horas do que gostariam.
“A economia está em situação aparente de melhora, mas a população está em mal-estar. A recuperação tem sido puxada por agropecuária e indústria, que empregam menos”
DANIEL DUQUEPesquisador do Ibre-FGV
Julia Braga, economista e professora da UFF, lembra que o crescimento de 1,2% do PIB no primeiro trimestre deste ano colocou o país no mesmo nível de 2014, mas ainda guarda um “passivo social que não foi resolvido”.
— A gente está a mercê do ciclo internacional para o crescimento. E o mercado de trabalho já estava muito frágil antes da pandemia, vindo de uma década de estagnação econômica.
Para a economista Maria Andreia Parente, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a pandemia impactou diretamente o emprego, sobretudo dos trabalhadores informais e menos escolarizados, geralmente concentrados no setor de serviços.
Além do mercado de trabalho difícil, a inflação nos últimos doze meses pressionada pelos altos preços dos alimentos, energia e combustíveis – itens básicos e que pesam mais para as famílias de renda mais baixa – faz com que essa parcela da população encare um custo de vida maior.
“O desemprego bate mais forte para essas pessoas (de renda mais baixa) e ainda vimos uma aceleração da inflação. Isso gera uma sensação de mal-estar que só não ultrapassou o nível histórico de 2016 porque tivemos o auxílio emergencial”
MARIA ANDREIA PARENTEEonomista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
Esse é a percepção da diarista Tayene da Silva, de 33 anos. Mãe de quatro filhos, ela conta que a primeira rodada do auxílio emergencial foi o que ajudou a sustentar a família no ano passado, quando a procura por serviços domésticos despencou com a pandemia. Este ano, porém, Tayene está se virando como pode, já que só recebeu o Bolsa Família, de menor valor:
— Eu cato latinha, vendo ferro, às vezes vendo papelão. Quando aparece uma faxina ou outra, que é mais raro, eu faço. Mas está difícil. Carne já não entra aqui em casa há muito tempo. A conta de luz está muito cara, e o gás de botijão também. Não vejo esse crescimento (da economia) que falam, é só ilusão. Acho que a situação está ruim e tende a piorar porque falta oportunidade.
E especialistas concordam que a percepção sobre a economia ainda tende a “piorar antes de melhorar”. Isso porque o Brasil é um dos países com a pior aceleração da taxa de desconforto.
A inflação em doze meses já chega a 8,06%, considerado o resultado de maio, e a taxa de desemprego – atualmente em 14,7% no trimestre encerrado em março – ainda tende a subir na comparação mensal e interanual:
Lucas Assis, analista da Tendências Consultoria, avalia que o desempenho positivo da economia no início do ano não se traduz em melhores projeções para o mercado de trabalho.
A consultoria projeta que o PIB avance 4,4% após cair 4,1% em 2020, mas a projeção para taxa média de desemprego neste ano é de 14%, acima dos 13,5% registrados no ano passado.
— Os trabalhadores mais vulneráveis e menos escolarizados, que foram os mais afetados pela pandemia, devem voltar a procurar emprego com o avanço da vacinação e afrouxamento das medidas de isolamento.
Ele acrescenta:
— Mas por mais que haja uma reação do mercado de trabalho, ela não será suficiente para garantir uma renda familiar nos níveis de 2020 entre os pobres, que contaram com a proteção social como a do auxílio emergencial. A perspectiva para as classes D e E é de uma queda na renda.
— Não acho que as coisas vão mudar muito rápido, o governo não está preocupado com o sofrimento que estamos passando. Eu só quero viver com dignidade — desabafa.
*Estagiário, sob supervisão de Danielle Nogueira
Por Carolina Nalin e Alex Braga* O Globo