Deputados afrouxam a Lei de Improbidade Administrativa

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Câmara aprova, por 408 a 67, projeto que prevê que só se punirá o gestor que cometer crimes na administração pública caso seja constatada a intenção do dolo. Defesa do PL, que facilita até o nepotismo, uniu governistas e oposicionistas

Para Lira, condenado em Alagoas em dois processos por improbidade, a atual lei é ultrapassada e deixa os gestores públicos engessados -  (crédito: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)
Para Lira, condenado em Alagoas em dois processos por improbidade, a atual lei é ultrapassada e deixa os gestores públicos engessados – (crédito: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, ontem, com 408 votos a favor e 67 contra, o projeto que altera a Lei de Improbidade Administrativa (PL 10.887/2018). As principais forças da Casa se uniram para aprovar o texto, que teve votos favoráveis da base do governo, dos partidos de centro e de oposição. O PSol, o Novo e o Podemos foram os únicos partidos que ficaram contra a proposta, que segue agora para apreciação do Senado.

Envolto em várias polêmicas o projeto foi apoiado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que já foi condenado em duas ações por improbidade administrativa em Alagoas, que datam da época em que era deputado estadual. Ele foi condenado à perda de função pública, mas, agora, pode ser beneficiado pelas mudanças na lei.

“A legislação vigente é ultrapassada, antiquada e engessa os bom gestores públicos. E, ao engessar os bons gestores públicos — não para protegerem a coisa pública, mas por uma mentalidade tacanha e retrógrada —, engessam também o país”, explicou Lira, em pronunciamento durante a sessão.

O texto prevê, entre outras coisas, que os agentes públicos que forem pegos cometendo crimes na administração pública só serão punidos se for comprovada a intenção de cometer irregularidade. O PL também altera regras de punição para esses casos, eliminando a perda do cargo quando o agente público não ocupa mais o posto no qual cometeu irregularidade. Outro ponto que gerou debates foi a possibilidade de indicar parentes para cargo público — o conhecido nepotismo —, caso tenham comprovada capacidade técnica para exercer a função.

O relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP) defendeu o projeto e argumentou que as mudanças permitirão aos gestores tomar decisões com mais tranquilidade, sem temer punições. “Queremos permitir que os administradores, gestores e agentes políticos tenham as condições de exercer com tranquilidade, desde que dentro da lei, suas atribuições”, justificou.

Críticas

Apesar de ter convergência de forças opostas no Congresso, o tema gerou críticas de entidades ligadas ao combate à corrupção. Para a Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni), o projeto é um retrocesso. “Esse projeto de reforma da Lei de Improbidade, na forma do parecer do relator, enfraquece muito o combate à corrupção. Ao retirar dos órgãos de representação dos entes lesados, entre eles a AGU, a possibilidade de ajuizar a ação de improbidade, impede a continuidade de um trabalho que vem dando certo, proporcionando o retorno de bilhões de reais aos cofres públicos”, disse Clóvis Andrade, presidente da entidade. “Além disso, exclui a punição a condutas culposas, exigindo, em vários pontos, o dolo finalístico (aquele em que se busca o enriquecimento ilícito) para a sanção ao agente, o que às vezes é dificílimo de provar”, completou.

O posicionamento se assemelha ao da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape). “O projeto aprovado pela Câmara traz equívocos que podem limitar o combate à corrupção. Ao prever a exclusividade ao Ministério Público para propor ações de improbidade administrativa, a União, os estados e os municípios ficarão dependentes da atuação de outra instituição para buscar o ressarcimento do dano ao erário. É uma lamentável redução da atuação de órgãos de combate à corrupção, como é o caso da advocacia pública. O país não pode reduzir a ação desses órgãos. Ao contrário: o ideal para o interesse público é que mais instituições trabalhem de modo articulado e transparente para a mútua fiscalização e controle dos bens públicos”, disse Vicente Braga, presidente da Anape.

Deputados também criticaram o projeto. “Impressiona a aliança que foi feita entre o petismo e o bolsonarismo nesse retrocesso, tanto no combate à corrupção como no combate à negligência na administração pública”, disse Kim Kataguiri (DEM-SP). Ele também criticou a possibilidade de indicar parentes para cargos públicos. “Agora, se eu justificar que as minhas irmãs têm formação, têm experiência no mercado de trabalho, está justificado o nepotismo. É isso que o texto da lei coloca”, afirmou.

O Novo apresentou um destaque para tentar retirar do texto um trecho que prevê o fim de condenação ou pena em processos antes do trânsito em julgado, ou seja, antes de toda a tramitação do caso — nos moldes da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que beneficiou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Não podemos, agora, na Lei da Improbidade Administrativa, retroceder e fazer com que aqueles que podem pagar bons advogados continuem impunes após condenados em segunda instância. Este dispositivo da nova lei é na nossa visão, deputado Zarattini, o maior retrocesso”, disse o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS). Os deputados rejeitaram os destaques e mantiveram o texto do relator. Por Israel Medeiros e João Vitor Tavarez* / Correio Braziliense * Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi.