- Governos sistemicamente corruptos, mais dia, menos dia, levam as nações e a democracia ao colapso. Democracia é “o governo do povo [eleito pelo voto do povo], [exercido] pelo povo, de forma direta ou indireta, e para o povo” (Abraham Lincoln). Quanto mais a democracia esteja de acordo com esse paradigma (ideal), mais substancial e qualitativa ela é. Quanto mais longe disso, menos cidadã ela se apresenta.
- Governo do povo. Nossa democracia (Velha República, Democracia Populista e Nova Democracia) sem foi puramente formal. Na democracia formal o povo, pelo voto, segundo Schumpeter, legitima alguns dirigentes políticos a tomarem decisões em nome dele (nisso residiria a “soberania do povo”).
- Nas democracias formais, quando o voto ou até mesmo o parlamentar é comprado ou quando a eleição é fraudada, fala-se em democracia venal. Esse é nosso caso. Os donos corruptos do poder (grandes empresas, bancos e corporações com acesso ao poder) financiam campanhas eleitorais (ilicitamente) e assim manipulam o parlamentar ou o governante em benefício dos seus interesses. Com o dinheiro do seu mecenas, frequentemente o político corrupto compra os votos dos eleitores.
- Governo pelo povo. Por força da “lei de ferro das oligarquias” (Robert Michels, 1911), nenhuma democracia é governada diretamente pelos eleitores, que são representados por oligarquias (= governo de poucos). Trata-se de um elemento aristocrático dentro da democracia. Só raramente a democracia é exercida diretamente pelo povo (referendo ou plebiscito, por exemplo).
- Dentro das oligarquias governantes e/ou dominantes há os honestos (donos do poder) e os desonestos (donos corruptos do poder). Esse segundo grupo é formado por uma facção delinquente ou aproveitadora que representa “um estado dentro do Estado” (Hobbes). Fazem parte de um tipo de “clube” com seus acordos expressos ou tácitos.
- A facção criminosa ou espoliadora do dinheiro público (da população) constitui a espinha dorsal da nossa cleptocracia (cleptos = ladrão; cracia = governo). O Brasil, sem sombra de dúvida, é uma República Democrática Cleptocrata (que conta, preponderantemente, com um governo de ladrões, mas eleito pelo povo).
- Se os que predominantemente nos governam são, ademais de ladrões, incompetentes, então também somos uma cacocracia (= governo dos piores). Os países governados por muitos ladrões e pelos piores contam com instituições (econômicas, políticas, jurídicas e sociais) muito frágeis. Os honestos e os melhores muitas vezes chegam a sentir vergonha dessas qualidades (Rui Barbosa).
- Governo para o povo. O governo “para o povo” completa a noção da democracia de qualidade. O que significa isso? Uma célebre frase de Bentham resume todo esse pensamento da democracia liberal: “A maior felicidade para o maior número possível dos habitantes”. Numa cleptocracia oligárquica, nada mais irreal que isso. Nossos governos cleptocratas cuidam dos seus interesses, por meio do clientelismo, do patrimonialismo e do favoritismo, regidos pelo afeto e pela “cordialidade” de que fala Sérgio Buarque de Holanda.
- Todo regime democrático venal (corrupto), oligárquico, cleptocrata, cacocrata e antiliberal sempre corre risco de ruptura. Dois fantasmas habitam neste momento as mentes dos brasileiros motivadamente revoltados com nossos governos corruptos: golpe militar e oclocracia. No Planalto chegou pesquisa dizendo que 36% dos brasileiros desejam “intervenção militar”. O general Etchegoyen (ministro do governo) afirmou que “intervenção militar é assunto do século passado”. Mas fantasmas não morrem.
- Oclocracia, que é uma das três formas deturpadas de governabilidade (tirania, oligarquia e oclocracia), significa “governo das multidões, das massas” (Wikipedia). Os governos populistas, onde um demagogo carismático combate as “elites governantes”, pregando a “unidade” da nação e soluções fáceis para problemas complexos, convertem-se em oclocracia quando as instituições governam ao sabor das emocionalidades, dos medos e das perplexidades irracionais das multidões.
- Sob o jugo delas o eleito (líder carismático) abandona a legalidade para se submeter à vontade suicida das massas. A oclocracia, em suma, pode ser definida como o abuso suicida que se instala em um governo eleito pelo povo; ela acontece quando a multidão, sem apego ao Estado de Direito implantado (às formas legais), se torna dona soberana dos destinos da nação, que passa a ser governada pela autofagia.
LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista. Criador do movimento Quero Um Brasil Ético. Estou no f/luizflaviogomesoficial.