Longe de Atenas, da Grécia antiga, nossa ÁGORA de hoje é, no máximo, o cruzamento de corredores nos shoppings. Não raro, obstruído por um incômodo quiosque comercial. Árvores, arbustos e graciosas flores de lótus e de “amor-perfeito” deram lugar a fajutos coqueirinhos e confusas folhagens de plástico colorido de péssimo gosto. Os atenienses, cidadãos eleitores, que decidiam no voto direto os destinos de sua comunidade não são lembrados, nem como fantasmas. Nessas mal fadadas pracinhas de shoppings só tem gente chupando no canudo e mastigando chicletes com sanduíches, em um cômico malabarismo para domar, no pão, os incontroláveis molhos de tomate e maionese.
É gente que não mais se interessa pelos rumos da vida grupal. Falta-lhe consciência sobre participação comunitária, solidariedade e amor ao próximo. Pessoas culturalmente esmaecidas. Desenxabidas “marias-vão-com-as-outras”. Patricinhas e frangotes surfando na onda de quem mais mandar: o dono do morro, o produtor da TV, os MCs e DJs. Quando dialogam, fazem-no aos gritos para produzir algazarra, primitivos remelexos e pavor nos demais.
Aí, bate, nos ainda pensantes da hora, a falta de uma ágora, de um ambiente público, livre, facilmente respirável, amplo, que se pode ver quem de longe se aproxima. Gente que reflete, nos gestos e palavras, educação, maturidade e responsabilidade comunitária. Como nos faz falta uma DEMOCRACIA DIRETA, um ânimo para exercitarmos a liberdade!
Precisamos já de uma democracia mais pura, sem a intermediação de malandros usurpadores do dinheiro público e aproveitadores da ingenuidade do povo. Precisamos de um regime político mais justo, que nos permita apear do poder dos descarados traidores da confiança popular, espertos manipuladores dos impostos que pagamos. Urge sabermos quanto nos custa manter incompetentes parasitas encastelados.
O decadente regime democrático representativo vigente no Brasil mostra, a cada dia, sintomas de fadiga. Governantes, parlamentares, dirigentes públicos diversos, e até parte do respeitável Poder Judiciário, perderam a noção da eficácia de gestão, de suas responsabilidades para com o povo.
Já não basta reclamar destes parasitas. Precisamos, sem demora, de uma profunda reforma política, quiçá, até institucional, que nos conceda o efetivo poder de decisão. A democracia direta.
Claro que a democracia direta, como praticada em seus primórdios atenienses, soa como uma utopia. Mas, por incrível que pareça, ainda vigora, para efeitos locais, em dois cantões da Suíça e na cidade de Vallentuna na Suécia. Nessas localidades, a administração pública atua sob mandato popular, sem prazo fixo, estabelecido pela vontade do povo, reunido livremente nas praças. Assim, são definidas as políticas de gestão e nomeadas as pessoas incumbidas de sua operacionalização. Embora remunerados e respeitados pela comunidade, esses executivos estão sujeitos à repreensão popular, remoção e substituição a qualquer tempo.
Além da Suíça e Suécia, muitos países adotam, como variante, o formato semidireto de democracia em âmbito nacional. Uns mais próximos, outros mais remotos da democracia ateniense. Ou seja, com variado nível de real participação popular no governo.
Utopia por utopia, pode-se afirmar que a democracia indireta e representativa não tem como bem funcionar em sistemas frágeis do ponto de vista social e político. Escancaram-se, em nosso solo, as imperfeições, incoerências e injustiças.
Na verdade, o que temos é uma democracia viciada. O voto passou a ser um cheque em branco contra o erário, municipal, estadual ou federal. Um seguro-desemprego, mascarado de mandato.
Mesmo instrumentos formais concebidos para dar feições de maior representatividade popular, tais como referendo, plebiscito, iniciativa legislativa e impeachment, são revestidos de tantas impraticáveis condicionantes, que terminam sendo inócuos e ilusórios, não passando de fantasia.
Em que pesem honrosas exceções, o político tupiniquim não mais goza de respeito e admiração do povo e – pior – faz por onde merecer desprezo e achincalhe. No Congresso Nacional, assim como nos legislativos estaduais e municipais, o que mais se pratica é o descarado esquema do “toma lá, da cá”. Incumbe-se quase que somente de “descolar” verbas para livre uso dos prefeitos a fim de obter, como pagamento, votos de cabresto e sobras financeiras para pagar a campanha eleitoral.
Desavergonhadamente, o parlamentar virou um reles despachante de luxo, interessado quase que exclusivamente em sua manutenção no cargo, contribuindo, assim, para a decadência da representação política, da democracia representativa.
É este o lamentável quadro que enseja o sonho de uma democracia direta, ou no mínimo, semidireta. Ainda que comece experimentalmente no nível municipal, mas que garanta de fato e de direito a real participação do povo no governo.
*Roberio Sulz é professor universitário; biólogo, biomédico (B.Sc.) pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected].