Democracia de papel

1754

Cresci ouvindo que a Constituição Brasileira é uma das constituições mais belas e bem elaboradas do mundo, devido a seu conteúdo de expressão democrática. Cresci ouvindo também que a Constituição de 1988, a denominada Constituição Cidadã, permitiu a possiblidade da participação popular e ao mesmo tempo garantiu uma série de direitos para o cidadão brasileiro e que desde então, através de medidas provisórias e emendas parlamentares vem sendo tecida com o objetivo de perpetuar, nas legalidades da lei, o bem estar do povo brasileiro.
Agora, seja sincero: você acreditou no que você acabou de ler e que sou capaz de afirmar que como eu também já ouviu inúmeras vezes? Acreditou que não! Nossa democracia, na prática, não passa de um livro cheio de ideias aparentemente bonitas e justas, mas que não passam disto, infelizmente.
Vivemos uma democracia de papel, uma democracia teórica, uma democracia burocrática, que literalmente não cumpre o seu papel ou o que deveria ser a sua função.
Nossa primeira Constituição ganhou um nome bizarro, “Constituição da Mandioca”. Nossas primeiras leis asseguraram privilégios, favoreceram as elites da época, mantiveram um sistema social indigno e injusto. As que foram se sucederam ganharam novos contornos, novos capítulos, parágrafos, mas não conseguiram eliminar as injustiças. Deram novas caras a ela, mas eliminá-la não. Séculos e séculos de formas distintas de perpetuação de um sistema covardemente manipulador e explorador.
A Constituição Cidadã chegou, com ela a redemocratização, ou seria melhor dizer a “democracia de papel”. Com ela o povo pode participar, votar, se envolver. Com ela podemos criar leis, propor medidas, mas ela também permite que nossas leis sejam modificadas, que não seja seguida como queremos. Um exemplo claro foi a “Lei da Ficha Limpa”. O que restou dela?
A “democracia de papel” fortaleceu a impunidade, está criando vagarosamente uma guerra civil silenciosa, criou a sensação de existir algo que de fato não acontece. Somos assegurados por um monte de direitos que não são eficazmente concretizados. Deveres? Somente pagar impostos, no mais acredito que este capítulo ainda não foi pensado.
Na “democracia de papel” as coisas acontecem assim, ou melhor, não acontecem, fingem acontecer. E o resultado de tudo isto? Uma baderna institucional, a morte da esperança, uma geração sendo criada na descrença de que o Brasil pode ser um país justo e digno de se viver. E nesta descrença os valores deixam de ser valores e tudo passa a ter um preço. E em nome deste preço, muitas pessoas se vendem e levam junto o sonho de todos!
Que democracia é essa? Que papelão é este? Como dizem que o papel aceita tudo, pelo visto ele aceitou e apoderou-se da nossa dita democracia só para ele. Vivemos literalmente uma “democracia de papel”.
Walber Gonçalves de Souza é professor e membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni.