De quem é a culpa?

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Há um rio que já foi caudaloso. Está-se definhando – ou melhor – estão definhando-o, mas não deve morrer. Não pode morrer!

 

Há um rio que nasce nas entranhas mineiras e deságua, ou melhor, desemboca poeticamente em areias oceânicas na Bahia. Sinuosamente, serpenteando nas curvas da morena da praia baiana, mais que a bela de Ipanema, adentra sutilmente a orla tupiniquim desta plaga, e desaparece mar adentro, mas ‘forte’ que este. Não és genuinamente baiano, como o belo Paraguaçu, que dá a suntuosa Pedra do Cavalo, mas és um rio de integração. E precisas de socorro. Tu pedes, agora, socorro! Socorro enquanto estás vivo.

 

Não é ingenuidade de poeta pensar assim, é verdade imediata que suplica a salvação de tuas últimas gotas.

 

Oh! Belo Alcobaça, como pede Castro Alves a Deus – “Onde estás que não me respondes”? – não te deixes morrer. Implore até o último suspiro. Belo Alcobaça, que volte a fluir tua cachoeira da fumaça!, para rimar, onde brilha o mais lindo arco-íris toda manhã!

 

Cerca de 30% de teu corpo é mineiro, não importa isso! O restante é baiano, como se sabe, mas, meu Belo Alcobaça, tu és uma mulheraça a perder sua juventude.

 

Seria necessária uma expedição de influentes bandeirantes baianos e mineiros para salvar-te. Esperamos essa força com urgência!

 

Mineiros natos, itanheenses, medeiros-netenses, teixeirenses, alcobacenses – num ato uníssono – deem o grito de guerra: Salve o Alcobaça. Salve o Alcobaça!

 

Meu Belo Alcobaça, com letras garrafais, que a pirraça política não te deixe esvair-te nas conversas soltas do púlpito. Enquanto isso, tuas águas agonizam.

 

Uma barragem em Medeiros Neto, uma barragem adiante, talvez próxima desta cidade do engenhoso homem do IBGE. Uma barragem, por quê? Porque, por via mediúnica, foi dito que tuas águas, nos vintes anos entrantes, serão um filete. Isso doerá muito.

 

Descendo daqui para tua foz, pelos fundos do Cantagalo, do Caxangá, do São José ‘de teu nome’, passa-se por Taitinga, teu afluente majestoso?, e se chega ao povo que o homenageia – Alcobaça! Ou vice-versa? Tuas margens assoreadas, teu leito desfalecido, tua mata ciliar inexistente. Fizeram de ti, meu Belo Alcobaça, um pasto para bovinos orgulhosos, para animais personalizados – metamorfose em que o humano se animaliza, em que o animal se humaniza! Isso não é vida. É pura bestialidade.

 

Deus, oh Deus, onde estás que não me respondes? Sem aspas, por que esta mensagem, agora no domínio público, é um grito de todos – de todos os ‘alcobacenses’ – mineiros e baianos que te amam!

 

Alcobaça, meu Belo Alcobaça, tu ‘abraça’ dois corações – um mineiro, que também é grandioso – que te fez nascer, e outro baiano, que te dá o pão que te alimenta – a riqueza ribeirinha, a história, a corrida ao mar, mas estão destruindo-te até com plantas exóticas, que parecem embelezar-se, mas te sufocam lentamente.

 

A culpa é de quem rasgou tua história, de quem não respeita teu lençol freático em Fronteira dos Vales, e um pouco em Santa Helena de Minas, e em todos os lençóis freáticos subsequentes – os teus córregos, corguinhos, corguetes, riachos perenes ou não.

 

Meu Belo Alcobaça, tua cachoeira da fumaça evaporou-se, mas pode renascer como fênix da criatividade baiana, e surgir um novo rio – o rio da integração extremo-sul baiana. Queres saber de uma coisa? Se não acreditam na importância da tua bacia leiteira no Extremo-Sul deste Estado, pede tu a eles, os poderosos, meu Belo Alcobaça, que fundamentem como foi que se desenvolveu a riqueza vacum neste canto do Estado! Foi graças a ti que a expansão bovina surgiu nestes campos de florestas quase hileias, matas atlânticas exuberantes, que foram devastadas! E agora estão extintas para sempre!

 

Tuas águas caudalosas estão ralas, passando por uma peneira como chuva que nem molha uma horta simples no fundo de quintal.

 

Tua graça, oh! Belo Alcobaça, que para um devastador não é nada, continua para ti uma ameaça, por que ela foi explorada de forma virulenta! Tua raça, meu Belo Alcobaça, esmaeceu no frescor da manhã, e agora não se sabe que nome deve ser-lhe dado! Restou-te, meu Belo Alcobaça, uma subraça de difícil classificação – qual é a tua flora? Qual é a tua estirpe? Qual é a tua fonte de riqueza? Que infortúnio pensar nisso. Parece que a vida morre antes da hora, se assim o poeta pode dizer.

 

Depois deste artigo, que não estejas, meu Belo Alcobaça, um morto-vivo, mas um vivo sem ter sido morto, mesmo que sejas um redivivo! Mesmo que o dizer daqui tenha sido após o 22 de Março, Dia Mundial da Água. Todo dia se bebe água, não só no dia 22!

 

Tua barcaça, meu Alcobaça, não comporta mais dois corpos! Antes eram quinze, vinte pessoas, e fluía ela livre como uma serpente, uma anaconda serpenteando as marolas escorregadias. Isso não existe mais, por que tuas águas foram minadas.

 

Meu Alcobaça, pode-se dizer que tua origem é mineira, não vamos negar isso, mas tu és ‘amabaça’ da poesia, da livre vida de ir e vir, e por isso não podes morrer. ‘Amabaça’ implica dizer livremente a liberdade de expressão, como deve ser livre a única piabinha que ainda sobrevive em teu seio forrado de seixos rolantes, onde era possível pescar na Ponte do Piatã, há bem pouco tempo. Estás assoreado! Vê-se lá agora um lambari solitário!

 

De quem é a culpa? Pergunte a quem manda neste mundo de nosso Deus!