Talvez, o leitor não venha a concordar com esta tese – no Brasil, grande número de meninas fazem propaganda televisiva. Por quê?
É fato que o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, proíbe o trabalho de menores de dezesseis anos. Só a partir de 16, até véspera dos 18, é que o menor, como aprendiz ou estagiário, ou ainda trainee, pode trabalhar.
O que ainda se destaca é que as meninas nessa situação são de pele clara, ou são loiras. Há poucos meninos, e quase sempre, também, são brancos ou loiros. Se há um ou outro de pele azeitonada, este seria já de origem famosa – seus antecedentes têm destaque na mídia.
As meninas riem, usam batom, rolam em um tapete (seria um persa?), fazem pose sensual, ou uma série de outras atitudes que deixam de ser uma simples informalidade. Não há aquele ambiente natural do dia a dia; há, sim, um preparo especial, com imagens que se destacam, para mostrar a exuberância da criança, a grandeza da propaganda ou da empresa que ‘compactua’ com esse desrespeito à lei. Isso é discriminação com outras crianças de origem pobre; isso é ato abusivo, descumpridor das determinações do ECA; isso é algo além do limite, que distorce o natural – criança precisa brincar, estar na escola (não que essas não brinquem, não que essas não estejam na escola), mas a propaganda insinua que a criança deve ser famosa, deve ser bonita, deve ser notória; que um dia se tornará modelo…
Se criança não pode trabalhar, por que essas “trabalham”? Por que essas dão cachê elevado aos pais para serem mais ricos? “Ah! é porque o meu pimpolho tem talento, e o seu não! O que é bonito é para se mostrar!” E seriam outros argumentos que reforçam a defesa dos pais; nenhum deles corrobora a tutela do ECA para coibir essa vanguarda da fama. Nenhum desses argumentos, ao contrário, refutaria ou contestaria que o PETI não teria lógica. O PETI, como se sabe, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, proíbe o trabalho de crianças. Seria apenas o que se chamaria de trabalho escravo, abusivo?
O menino do Nordeste trabalha para ajudar o pai. Digamos, como já se viu, que se veja uma criança de 14 anos puxando um jeguinho carregado de sisal na região de Valente, aqui na Bahia. Isso é proibido… Mas como ajudar os pais a sobreviver? A lei não permite esse trabalho, mas permite o trabalho de gente rica e famosa na TV fazendo propaganda. Não se deixaria o menor trabalhar, e ele ficaria na rua APRENDENDO O QUE NÃO PRESTA, como diria meu avô, como diria seu pai, como diria a vizinha de sua casa, que cresceu trabalhando e nunca “morreu de tanto ter trabalhado!”
Por que a criança não pode trabalhar e pode pedir na rua? Por que a criança não pode trabalhar, e há tanta criança fora da escola? Por que a criança não pode trabalhar, e tanto menino está servindo de mula para os grandões da droga? Por que a criança não pode trabalhar e aceita receber esmola do governo para ficar desocupada? Mente desocupada é oficina do diabo, como diz o antigo provérbio.
Criança que não trabalha seria uma criança despreparada para a vida? Ora, quando se trabalha se planeja, se descobre o filão para uma poupança, para um empreendimento, como aquele caso da criada que vem cantarolando com uma cesta de ovos na cabeça. Vou colocar os ovos para chocar, vou criar os pintinhos; um dia terei muitas galinhas, e vou ser rica. Que fantasia. Não seria essa a história. A criada, ainda uma menina, vem com uma vasilha de leite na cabeça (Não havia balde? Não havia vasilha com tampa?), sonhando em vender o leite, comprar uma porquinha, ter vários barrões, e crescer seus pertences, para ter bens, e um dia ser rica, ou o meio de sobrevivência. De tanto sonhar, distraída, tropeça, e o leite derrama.
Não adianta agora reclamar o leite derramado… É melhor pedir esmola. Ou ir em busca de um cartão do governo para ficar em casa sem nada fazer. Ou, se for bonita, se candidatar a garota ‘isso’ ou ‘aquilo’ e um dia ser modelo, ser famosa…
Para que trabalhar? Não será o trabalho abusivo, escravo, mas trabalhar, trabalhar sempre. Quem aqui escreve não está aleijado, porque começou a trabalhar aos sete anos – pegar um animal, dar de beber aos boizinhos magros, prender um bezerro, colher espigas de milho, e outras atividades simples. Ah! mas isso é coisa do passado, da roça! Ora, se for, então, hoje, coloque a criança para ajudar o pai na loja, para ir ao banco, para ir ao supermercado fazer uma feirinha…
ETC. ETC.
Tudo vai dar certo. Melhor que ficar na rua, melhor que ser mula de alguém; melhor que receber cartão-miséria, e se tornar um dia “um vagamundo”.


