De quem é a culpa? (02 de agosto/2015)

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Por que fazer algo errado para dizer, com esse comportamento, que há um erro em costumes neste País?
Assusta-nos o hábito que está se tornando costumeiro, nos dias atuais, de mostrar um caminho errado para se chegar ao certo. O errado deve ser feito com referência segura, e não com outro erro, para se dizer que deveria haver um comportamento correto. Será que o leitor estaria entendendo? Seria possível antecipar o que este colunista vai comentar?

Para mostrar que não se pode desperdiçar água, vem uma senhora e desperdiça água de forma agressiva, e se espera que o passante reaja. Se não reagir, dir-se-á que o povo não sabe reclamar seu direito, e se reclamar, leva dela uma bronca sem tamanho. Se for em busca de um órgão responsável, a mulher já gastou toda a água disponível, e o órgão poderá dizer que o problema é dela – vai pagar pela água que gasta. A propósito, ainda não ficou clara a forma de se multar um cliente que gasta água em excesso, nestes tempos de escassez do precioso líquido.

O processo de mostrar o erro é que nos deixa perplexos. O contraditório fica por conta do leitor, e jamais ficamos convencidos de que o método jornalístico veiculado na TV é o correto.

Para mostrar que não devemos agredir uma mulher, como faz muito capítulo de novela, vamos agredir uma na rua, alegando que o ato é de pura ficção?

Se o leitor entendeu, agora, o espírito do comentário, vamos continuar…

Para mostrar que não devemos ficar parados na calçada – impedindo a passagem de outros transeuntes –, vamos justamente ficar parados na calçada. (?) E esperar a reação de quem passa. Se nada reclamar, não tem o espírito de criticidade, como dizem alguns; se reclamar, é por que é chato. Se o infrator é interpelado, diria com veemência – o que você tem com isso? Você é autoridade? Você sabe com quem está falando?

Para mostrar que devemos respeitar as crianças, temos de agredir um menino indefeso?

Para mostrar que devemos respeitar a fila, temos que furar uma de fininho, e esperar que alguém reclame? Se não reclamar, seria bobo ou não teria espírito de cidadania; se reclamar, é um intruso? O furão diria com sarcasmo – você manda em mim? Você é o dono daqui? E usaria o bordão-chave – você sabe com quem está falando?

Um cidadão estaciona uma bicicleta, como fazem alguns com seu automóvel, justamente na passagem do pedestre; o que vai passar tira a bicicleta para o canto mais próximo – que não impediria a passagem; o dono da bicicleta estava perto e veio como um valentão xingando o invasor que se intrometeu em sua atitude… E ainda gritou: “Você é alguma autoridade? É policial?” Cinicamente, voltou a bicicleta para o mesmo local. E o pior – estava chovendo, e no lado, que seria o desvio das pessoas, havia lama. Como você interfere num caso desses?

De quem é a culpa por atitude assim? Da nossa (in)cultura?

Para mostrar que não devemos maltratar os animais, devemos jogar pedra num cão faminto que passa em nossa porta?

Para mostrar que não devemos jogar lixo na boca de lobo, vamos jogar ali o copo de um plástico duro que é usado para servir milk-shake?

Se alguém jogar uma casca de banana – que é biodegradável – alguém reclamaria, mas não reclama de alguém importante que joga esse copo em local assim. Note que as bocas de lobo estão cheias de copos plásticos. Como foram parar ali?

Para mostrar que não devemos usar drogas, vamos entrar numa cracolândia e dizer que não deveríamos estar ali, para dizer que não se devem usar drogas?

Para dizer que não podemos furtar, vamos levar à surdina uma bicicleta que está num meio-fio sem o devido cadeado?

Para mostrar que não podemos matar, temos que ser homens-bomba, mulheres-bomba, e sair por aí assassinando pessoas para protestar contra os males do mundo?

Por que certas comunidades, que têm problemas com o Governo – municipal, estadual ou federal – interditam pistas de rodovias com chamas altas em pneus e galhos de árvores? O povo tem culpa direta nisso? No mínimo, além da poluição e do mau exemplo, é o povo que sofre e toma o prejuízo por uma passagem obstruída.

Por que alguns, que seriam vândalos, incendeiam ônibus, para protestar contra o errado de alguma faixa do Poder? Não haveria outra forma de protesto?

Daqui a alguns dias, vai aparecer um ‘líder’ comandando um bando de crápulas jogando pedras em todas as casas, por que certo cidadão que mora numa delas, estuprou a moça que morava na casa vizinha? Isso é correto?

Iríamos todos nós falsificar documentos para protestar contra a falsificação de documentos, atitude que alguns praticam?

Temos que humilhar idosos para dizer que não podemos fazer isso?

De quem é a culpa? Não é aceitável que, para protestar contra o desperdício de água, tenhamos que desperdiçar água… até o momento em que surgir uma resposta. Não há outra maneira de chamar a atenção para problemas que estamos vivendo no momento? Com um ‘erro’ para insinuar ‘outro’ não seriam dois erros?

De quem é a culpa?