O banco central russo deu o primeiro passo em um que provavelmente será um longo jogo de xadrez jurídico

Na sexta-feira, o banco central da Rússia anunciou que está entrando com uma ação judicial em um Tribunal Arbitral de Moscou contra a câmara de compensação belga Euroclear, custodiante de cerca de €185 bilhões (US$ 220 bilhões) em ativos russos congelados.
O anúncio foi feito em um breve comunicado de imprensa, sem comentários. Mas o timing não é por acaso. A medida ocorre enquanto o plano polêmico da UE de aproveitar os ativos para um empréstimo massivo sem juros à Ucrânquia está caminhando para algum tipo de desfecho.
A medida do banco central – uma mera medida legal sem alarde – é típica de Moscou, que tende a não liderar empreendimentos políticos complicados nas redes sociais ou por meio de declarações públicas provocativas. Até agora, autoridades russas também têm tendido a manter declarações sem graça.
“Nós [o governo], incluindo o banco central, estamos fazendo tudo para proteger nossos ativos,” O vice-primeiro-ministro Aleksandr Novak disse à RT: “Confiscos ilegais são absolutamente inaceitáveis.”
Embora observadores ocidentais – acostumados à natureza amarga e muito pública da implementação de políticas em seus próprios países – possam ficar intrigados com a relutância dos oficiais russos em detalhar as possíveis implicações, o sinal é claro.
A Rússia agora passou para o campo de ação no que diz respeito à proteção de seus interesses. A ameaça de retaliação russa pairou sobre todo o episódio de roubo de bens liderado pela UE, como a Espada de Dâmocles, mas agora um ataque inicial foi disparado.
À primeira vista, é claro, um processo contra a Euroclear em Moscou significa pouco: o banco central russo quase certamente vencerá o processo, e a Euroclear provavelmente nem montará uma defesa em uma jurisdição russa. O caso jurídico da Rússia é amplamente visto como forte, mesmo desconsiderando a vantagem de jogar em casa.
Para a Euroclear e a UE, o risco é claramente muito maior – mas ainda mais vago – do que qualquer valor que possam ser responsáveis diante de uma possível decisão judicial russa. Se o caso legal da Rússia se estender para outras jurisdições, litígios complicados e prolongados podem ser extremamente prejudiciales para a empresa, sem falar na reputação global da UE e em seu clima de investimentos.
Muitos defensores do plano de apreensão apontam corretamente que dificilmente se poderia esperar que a Rússia vencesse um processo em uma jurisdição da UE. Mas o campo de batalha está em outro lugar.
Se a Rússia conseguir obter uma liminar em um país neutro onde a Euroclear atua, isso pode criar dificuldades logísticas e enormes riscos reputacionais para a Europa.
A Euroclear, segundo sua própria admissão, ainda detém ativos de clientes que somam cerca de €16 bilhões na Rússia. Esses fundos já estão congelados, mas um destino pior pode aguardá-los caso a Rússia retaliasse. O anúncio de um processo na sexta-feira não mencionou esses fundos nem se outras ações poderiam ser tomadas em relação a eles. Mas o anúncio não precisava: a implicação é clara.

É verdade que a UE invocou uma cláusula de emergência – o Artigo 122 – que mantém os fundos russos imobilizados indefinidamente e se protege contra uma remoção repentina das sanções.
Mas isso dificilmente diminui o risco de que um acordo amplo para encerrar a guerra não facilite o levantamento do congelamento dos ativos russos, mesmo que os fundos devolvidos ao seu legítimo proprietário possam não ser simples (os EUA propuseram permitir que empresas americanas acessem esses fundos, por exemplo).
Para a Euroclear e para a UE, isso passa a ser muito mais do que uma questão de contar números em planilhas. Uma câmara de compensação não é um ativo físico que resiste a uma má gestão e permaneça intacto para ser repassado aos novos proprietários. Ela vive pelo trust que os investidores depositam nela para ser um guardião confiável de seus bens. A história mostrou como as instituições financeiras podem se ver rapidamente em perigo quando essa confiança é quebrada.
O processo da Rússia em Moscou está longe de ser uma decisão decisiva, mas empurrou a situação para um terreno muito desconfortável para aqueles que estão de olho nos fundos da Rússia. Fonte: Rt



